No Silêncio...
/“todos iguais a todos. Quando”
- Bernardo Pinto de Almeida
“Isto é excesso de tempo livre!”
- Raul Milhafre
Caspar Friedrich - “View of Arkona with rising moon and nets”, 1803.
somos o púlsar das aves/ a rocha linguística/
toda potencia calquera virtualidade/ unha exposición infinita/
un infinito de dor// non cruzamos correspondencias
Chus Pato, Sonora
“todos iguais a todos. Quando”
- Bernardo Pinto de Almeida
“Isto é excesso de tempo livre!”
- Raul Milhafre
Caspar Friedrich - “View of Arkona with rising moon and nets”, 1803.
Tradução de Michel Kabalan
Pouco antes de te levantares
Não me digas que não quiseste penas de pavão,
um vestido a arrastar pela pista da valsa.
E se o palpitar do coração te roubasse a coroa
quando o mais ousado te olhou nos olhos,
Não digas que foi ele o conquistador
Ele estava já ajoelhado.
Λίγο πριν σηκωθείς
Μην πεις πως δεν πόθησες τα φτερά του παγονιού,
ένα φόρεμα να σκουπίζει την πίστα με βαλς.
Κι αν την κορόνα σού έκλεψε τελικά το καρδιοχτύπι
όταν σε κοίταξε στα μάτια ο τολμηρότερος,
μην πεις πως ήτανε κατακτητής·
στα γόνατα είχε πέσει.
Eftychia Panayiotou (Chipre, 1980) é uma poeta e tradutora de poesia (Anne Sexton, Anne Carson, Lord Byron, William Blake, Percy Bysshe Shelley). Já publicou 3 livros de poesia: μέγας κηπουρός, 2007(O grande jardineiro), Μαύρη Μωραλίνα 2010 ( Moralina Negra),e Χορευτές 2014 (Dançerinos). Ela também trabalha com poesia visual (videopoetry) e poesia sonora (soundpoetry).
“há brilho em todas as coisas”
Richard Dehmel / Schoenberg
Arnold Schoenberg - “Blue Gaze”, 1910
Poema
Luz claridade salada de abacate de manhã
depois de todas as coisas terríveis que faço quão maravilhoso é
encontrar perdão e amor, nem sequer perdão
já que o que está feito está feito e perdão não é amor
e já que amor é amor nada pode dar errado
embora as coisas possam tornar-se irritantes aborrecidas e prescindíveis
(na imaginação) mas nunca de verdade para o amor
embora a um quarteirão de distância te sintas longínquo a simples presença
muda tudo como um químico entornado num papel
e todos os pensamentos desaparecem num estranho e calmo entusiasmo,
Eu não estou certo de nada para além disto, intensificado pela respiração
*
Poem
Light clarity avocado salad in the morning
after all the terrible things I do how amazing it is
to find forgiveness and love, not even forgiveness
since what is done is done and forgiveness isn’t love
and love is love nothing can ever go wrong
though things can get irritating boring and dispensable
(in the imagination) but not really for love
though a block away you feel distant the mere presence
changes everything like a chemical dropped on a paper
and all thoughts disappear in a strange quiet excitement
I am sure of nothing but this, intensified by breathing
há anos atrás
vi-me
numa situação
desesperada
segui
durante muito tempo
um caminho
que achava bom
o do aluno diligente
que faz os trabalhos de casa
e não falta
a muitas lições
e de repente
onde devia estar
o meu futuro
encontro
um poço negro
e o peso
de contas por pagar
os trabalhos
escasseavam
e acabavam sempre
no silêncio
depois de mais
uma entrevista humilhante
era verão
e eu sentia
que toda a minha vida
tinha sido
um enorme desperdício
fiz então
o que costumo fazer
quando me encontro neste estado
voltei-me para Dostoiesvski
tinha comprado recentemente
Dostoyevsky
A writer in his time
de Joseph Frank
e os meus dias caíram
numa rotina
de manhã
ia à praia
nadava
até deixar
de sentir o corpo
e de tarde lia
a biografia de Dostoievski
isto durou uma semana
no final da qual
eu recordara
(envergonho-me
por admitir agora
por escrito
que alguma vez
o tivesse esquecido)
que o valor de um ser humano
não é determinado
pela sua função
num determinado sistema
e que uma vida passada
a ler bons livros
é uma vida
bem vivida
era
um homem feliz
tanto quanto se pode ser
naquelas circunstâncias
ao ponto de procurar
o endereço
do Professor Frank
e de começar
a escrever uma nota de agradecimento
por aquele milagre
de mais de 900 páginas
ao mesmo tempo
iluminado
e escrito
com o arrebatamento
de um romance de Dostoievski
nunca terminei o e-mail
o Professor Frank
é um homem ocupado
quem sou eu
para tomar o seu tempo?
ano e meio depois
a minha vida
tinha dado uma volta
mudei-me para outro país
arranjei um emprego
que não era
demasiado desagradável
quando vi no New York Times
o orbitário de Joseph Frank
não sei muito sobre o homem
94 anos
espero que tenha tido
uma vida boa
gostava de lhe ter escrito então
mas quanto a isso
não há nada
que possa fazer agora
para além
deste poema
Livros, filmes, ideias.