Incêndio

no mapa
as aldeias
em fogo

amarelo
campos de aveia
alimento dos cavalos

laranja
o que está em disputa

castanho
os caminhos possíveis
(desde que ainda
se tenha cavalos)

as horas passam
não arredam pé
da mesa
os amigos
absortos no jogo

quando ainda
se podia fumar no café
comprávamos
um maço a meias
e jogávamos toda a tarde
eu abria a partida
escrevendo alguns versos
numa folha em branco

agora
é a tua vez
o fogo alastra

a ideia fechada

risco minimizado
o escopo bem definido
ainda assim
o segmento de mercado
ardia
em justa indignação
o jantar
estava atrasado
e na televisão
a menina do telejornal
anunciava um novo crime
em tudo igual
ao do dia anterior

velhos senis
confinados a minúsculas celas
sem livros
batem com a mão no peito
nós cumprimos
os nossos deveres
com zelo e afinco
e nem um obrigado
a casa em ordem
o livro de contas organizado
a reserva de enlatados reebastecida
papel higiénico em abundância
junto à retrete
tudo pronto
para a geração seguinte

lá fora
a floresta arde
e a doença e a solidão
afiam
as facas

derrota

há o contentamento
das pequenas virtudes
a inflexão casta
nos bons-dias
o perdão desnecessário
uma graciosidade dramática
quando a bola
toca a tela
e os erros
se vão
acumulando

andamos há anos nisto
oferecemos tanto de nós
e isto é tudo
o que temos a mostrar
homens de meia-idade
perdidos na sua fúria
que mascaram
os vícios
e o excesso de peso
no equipamento de marca

encenamos
monólogos de um acto
sobre
o temor da morte
e este é
sobre perseverança
e este é
sobre inteligência e estultícia
este é
sobre a beleza
e como aceitar
a sua ausência

há no erro
algo de catártico
testámos os limites
do nosso carácter
e fomos julgados insuficientes
ridiculamente insuficientes
e a nossa única consolação
que trazemos na mão
como uma arma
ou verdade
é a coragem
de termos
ido a jogo
a certeza
de que
o voltaremos a fazer

se formos escolhidos
pelo capitão

desde que não chova

O teu irmão no escuro

ele flutua
como preservado
num preparado de noite

o seu coração
projectado fora do peito
bate
bate
para nossa diversão
olha as artérias
que o ligam ao corpo
torcidas e enoveladas
dizia
ele bate no escuro
para nossa diversão
vês
sabes
eu acho
que o mundo precisa
de mais bondade
devíamos ser treinados
desde novos
na arte da bondade
não achas?

e depois bates no vidro
e acenas um adeus
ele não responde
o teu irmão no escuro

passas
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