Alva e Komorebi

 

Subitamente

te tornas

em dor e eternidade.

 

Orvalho em folhas

de salgueiro –

a morte dos poetas.

 

Também morre

quem escreve

haikus.

 

À distância do prato

e do copo

o mar e a infância.

 

Ouço um pica-pau

a neve escorre

enfim chegaste.

 

Como o que parte

Alva chega

com a Primavera.

 

Só na ilusão

se tem espaço

para a eternidade.

 

Hepáticas emergem

do húmus –

afinal Primavera.

 

Revela-se finalmente

o húmus –

outono novamente?

 

Estrangeiras como eu

reconheço no seu canto

o meu berço.

 

Saí para escrever

ao sol –

logo escureceu.

 

Ainda onde ficou

a pinha

que não vi cair.

 

De mão dada

crescem juntos

a idade e a solidão.

 

Quantas mais linhas

na cara

menos os sorrisos.

 

Ao sol espero

números redondos –

antes virá o verão.

 

Neste mundo barulhento

serei eu invisível

se me mantiver em silêncio?

 

Que mãos terão

transplantado

as flores deste jardim?

 

Debaixo de uma árvore nua

espero ao sol

a sua sombra.

 

O último sorriso

que te vi –

unha postiça no chão.

 

Olhando as cerejas

não sei se durmo –

longa foi a noite.

 

Não te apresses

vai devagar

ò primavera.

 

Como estrelas

num céu verde

os dentes-de-leão.

 

Não fosse ao lado

a artéria da cidade

e seria rei do silêncio.

 

Até estas estrangeiras

fragas de granito

conhecem os meus pés.

 

Mais abaixo

o bloco arrancado à fraga

parou.

 

Sob os pés

as agulhas do pinheiro –

aromas primordiais.

 

Tanto acaricia a fraga

como o pinheiro –

morna brisa primaveril.

 

O cheiro do pôr-do-sol

no fresco musgo –

dourado momento.

 

Contra o meu peito

um outro mundo

que começa.

 

Contra o meu peito dorme

um outro mundo

que começa.

 

Ambos inocentes

como a pinha que cai –

sesta entre pinheiros.

 

Sou eu mais

que a flor torcida

com o peso da abelha?

 

Visita-nos um esquilo

comungamos os três

do sol e do silêncio.

 

Como a verdade pura

dança sem palavras

a luz através dos pinheiros.

 

Turku, Abril-Maio 2024

 

 

 

 

 

 

 

 

Ponto de partida

Ludwig wittgenstein

Com um ponto de partida podemos conquistar o mundo, levantando-o, talvez. Arquimedes, Montaigne, Descartes, Nietzsche e Wittgenstein, entre muitos outros, procuraram essa mola que nos pode catapultar até ao céu, azul ou negro, tanto faz. É isto que esboço em menos de três minutos no podcast que se segue.

Glória

o bailarico do porquinho superou 
em excesso as mais modestas expectativas 
revezavam-se virtuosamente as bailarinas 
uma atrás da outra a escorrer suor 
e quando em ovação o chamaram ao palco 
 
e o envolveram em apoteose 
como uma larva no casulo então 
algo nele mudou irreversivelmente 
por certo o anúncio de novos começos 
deste então que não oiço notícias dele 
 
os amigos procuraram-no toda a noite 
mas depois havia os animais e crianças 
para cuidar e já se sabe como é 
com os da sua laia não se pode fiar 
em animais criados para abate 

Simi, 06/09/2024

Regresso a Simi

 

No alto do monte, uma fileira de moinhos

Cariados pelo desuso e o esquecimento,

Quase no topo a suposta tumba de um rei,

Ambos olhamos desta janela a bandeira

Dum pequeno barco de pesca

Enquanto ouvimos Luis Bacalov

Que dá ao ar a textura do fim de verão,

Há um ano escrevia um poema

Sobre a tumba desse rei e uma ovelha

Que jazia morta à sua sombra,

Hoje nos teus olhos vejo o movimento

Da pequena bandeira, de todas as bandeiras,

A passagem pelos astros, a nossa imensa

Insignificância capaz de ecoar numa amostra

De eternidade, nos teus olhos tudo

O que passou e passará, num silêncio

Puro, sem fronteiras ou língua.

 

Simi

05/09/2024

Regresso a Simi 2

 

Passando pouco mais de um ano,

O que resta do corpo da ovelha

À sombra do túmulo, é uma coluna

Branqueada pelo sol e a maresia,

O círculo de pedras bem encaixadas,

Continua o mesmo aos olhos pouco

Nítidos, uma ilusão de eternidade,

O reflexo destas pedras na frágil

Câmara escura de osso e sonho,

Mais abaixo ao sol, tropecei também

No seu crânio, quase num sobressalto,

Como quem num quarto escuro

Dá por si num espelho.

 

Simi

07/09/2024

Sonhos em Petricor

 

Nos sombrios retalhos dos sonhos,

Antes de umas tímidas gotas de chuva,

Logo se ergue uma vontade de pedra,

Os sonhos ficam vertidos na primeira luz

E as nuvens, sobre uma inquietação crónica,

Aguentam a pressão dos dias lentos,

Respira-se melhor com a carne entre os dentes,

Um aperto de desenrolar o coração

Num muscular esplendor, odiar nada

Mais que o tempo, que tudo traz

E tudo leva e atrás apenas, um eco

Em reflexo, nos limites de onde tudo é

E acaba, dos sonhos resta apenas o breve

Petricor, como uma promessa embriagada.

 

Simi

11/09/2024

Primeira Visita a Museu*

 

“para quê festas e grinaldas e canções e vinho

se os corpos envelhecem como as coisas”

Ruy Belo

 

Vês estas pedras brancas, meu amor,

Estes contornos humanos, uma quase carne

Fria e estática, as mãos que a esculpiram,

Há mais de dois mil anos que não são mãos,

O mundo era outro, a vida a mesma coisa,

Muitas vidas surgiram e passaram,

Que pedras tocará o teu corpo pequeno,

Que formas lhes darás, o que ficará de ti nelas,

Como nestas pedras, pelas quais tantas vidas

Passaram, enquanto estes corpos,

A mesma pele suave, um membro ou mais

A menos, a palidez que tomou conta da memória

E os teus olhos enormes olhando o seu silêncio,

Como se percebesses o mistério criador,

A ironia da vida que cria para a eternidade

E que não passa de um momento reflectido

Na forma de umas pedras tocadas pela paixão

De uma carne não muito diferente da tua.

 

* Ouvir “Padre Ramirez” de Ennio Morricone ao ler

 

 

Rodes

14/09/2024