Três palavras

Comprei uma caneta bic azul e outra preta e depois uma rollerball e uma caneta permanente. Atafulhei a secretária, a cama, a sapateira e a cozinha de cadernos caros, baratos, moleskines, cadernitos pautados e em espirais. Experimentei escrever em papel higiénico mas a minha imaginação não é lá grande coisa. Escrevo ou tento escrever sobre o que me rodeia para facilitar o processo - nunca fui muito de kafkas e de pessoas que se metamorfoseiam em bicharocos. Sendo adepto do conto puro (tipo charuto cubano), apreciaria escrever qualquer coisa parecida com aquilo que os meus escritores sul-americanos preferidos escrevem. Mas os dedos fraquejam-me quando agarro na caneta. Comprei uma máquina de escrever em segunda mão. Depois mandei vir uma nova da América, objecto raro e caríssimo, um balúrdio, se dissesse o preço, Jesus, nem sei. O problema foi ter anunciado há uns meses que estava a iniciar um livro, um conto que era maior do que o meu corpo, uma coisa para cima de quinze mil palavras. Comprei um computador modernaço. Gastei em desespero as poupanças numa daquelas bombaças da Apple. Quinze mil palavras o tanas. Três, as do título: "Quero ser escritor." Inscrevi-me num curso de escrita criativa, comprei livros motivacionais, tomo ansiolíticos, frequento sessões de psicoterapia, cortei relações com os amigos mais chegados, troquei de namorada (a outra tirava-me a vaidade e precisava de me sentir um génio, que é o que sou, basta de negações). Sofro deste mal de anunciar as coisas antes de as concretizar. Primeiro foi o livro, depois foi a editora, depois foi a revista. Tenho três palavras numa página A4. Os jornalistas telefonam-me. Querem opiniões do grande especialista do conto. Mato-me?