Cinco poemas

FEITO VIVO


Nunca lancei meus olhos com
tanta sede
Cada retícula cada vinco cada
falha eu
captava sôfrego
Um retalho da fissura
abstrata no concreto todo
pedaço suspenso de coisa
Até a fibra adivinhada eu
mirava com vontade de
quem nunca mais iria
ver 


 

MENINO PICADO POR UM ESCORPIÃO

O choro intermitente e devido à insuficiente porção de veneno
formou-se um roteiro oculto indecisa
assíntota alacranada se avizinhando às pequeninas artérias - viés de um
ódio inacabado algo volátil anônimo
acomoda-se à ardência enquanto
vigiamos a pulso mínimas metamorfoses em cada sentido.
Ignorando até onde nos atravessa essa marcha puntiforme de
calibre venoso turvando o que
parece sempre a ultima contemplação
ele nos dá um desconhecido
sorriso.


 

PARA TUDO NA VIDA, UMA BOA IMAGEM

No painel da traseira do ônibus
na mídia digital do consultório
no meio aquoso da revista: casal de sorridentes velhinhos
(bote em forma de cisne) digamos
propaganda de pecúlio e empréstimos para aposentados. 
Jove ilustra colchões de mola e casas geminadas. 
Crianças suspensas em balões verdes para o plano de saúde.
Móbiles indiferentes à necessidade
premeditada.


ESSA LEVEZA

Tipo peso se
ausenta
da cama
e             é
percebida: o corpo desloca
a transparência


DESCULPE, BUT

Desculpe, mas pertenço a um mundo desvirtuado
Também não me sinto moralmente apto a
tirar da experiência um lema
Desculpe, mas minha formação musical é promíscua
Desculpe, infelizmente essa metáfora não me atinge
Obrigado, mas não vivo de ênfase
Desculpe, não planejo dizimar a ideia contrária
Desculpe, mas não concluí a tarefa com êxito