Zona X
/Este sou eu, queres dizer.
Vi um homem que queria desenhar-se, perdido
nos corredores desabitados da casa. Emparedado
nas matérias edificantes do seu mundo.
A tridimensionalidade poética a construir a casa infinita.
Madeiras cansadas e metais velhos.
Pigmentos secos e perplexos.
Ornamentos do homem que se procura.
Iluminação estética do contorno do tempo no seu rosto.
Há um chapéu vidente sem cabeça
que guarda o poema por acabar,
como um monólogo invertido e visionário.
A denúncia da dor e o prenúncio da solidão
em busca do silêncio perfeito.
O homem constrói-se lentamente, ponto por ponto,
peça a peça, até ser inteiro e utópico.
Madeira-metal-sangue-pensamento no chão.
Tão no chão o homem é corpo fundente.
O homem é sempre um homem.
O homem ouve-se a ele próprio e a mulher grita.
Um insecto pousa no som.
Tudo pode acontecer a qualquer momento.
Uma desgraça anunciada
sem lugar para procedimentos científicos,
malabarismos criativos ou intervenções dos deuses.
O mundo dobra-se sobre si mesmo.
Deslizes topográficos-semânticos-emocionais.
Queda-erro-dúvida existencial.
Um abalo na estrutura planetária do pensamento.
Uma ligeira perturbação em plena ascendência.
Não há coisas vivas ou inertes no horizonte.
Derradeiro acontecimento dos olhos que se defendem
e procuram sombras na ausência da luz.
A última justificação humana
é a intensidade cruel da ignorância,
uma paisagem paradoxal e indecifrável.
O tempo parado declina a necessidade dos relógios avariados.
E tudo aconteceu durante um qualquer momento
esquecido na memória.