A ATRIBUIÇÃO DO PRÉMIO CAMÕES DE 2020 e outros poemas
/A ATRIBUIÇÃO DO PRÉMIO
CAMÕES DE 2020
Sonata in D Minor, Op. 1, No. 12,
RV. 63, 'La Follia'
Sophia e Eugénio foram unânimes.
António Pina um relativo consenso.
Outros menores nenhum consenso!
Para salvar Meus Senhores a boa
memória do velho Camões façamos
este ano a justa e devida correção.
Entreguemos uma nova Morada aos
Enigmas do Jardim das Amoreiras.
E se a dúvida se mantiver por mais
de duas horas ou vinte a cinco dias
façamos a escolha sob o velho
Toldo do Oásis da Bellis Azorica.
E assim na praça pública apareceu o
poeta e com ilustres palavras falou:
Não obrigado deixem-me em paz!
ALGUNS CONSELHOS DE GRAÇA DE
POETAS MEUS CONTEMPORÂNEOS
“Bicho livre sem rumo sem laços”
- Maria Bethânia
I
CONSELHOS DE GRAÇA
a)
Modera modera o sentido
não sejas tão brusco
não denuncies
Sê suave como a espuma
e engole calado
b)
Sempre que te apetecer
publicar um poema indigno
coloca a cabeça fora da janela
e respira lentamente
c)
Não atires alfinetes
pregos
lâminas
setas
facas
arpões
machados ao crítico
Pensa na tua carreira!
Exercita a vénia!
II
Respostas
a) Obrigado com sorriso
b) Apenas um sorriso
c) Um meio sorriso
Sempre fui uma fera
muito muito educada!
SEM TAXAS
Sintaxe não é Poesia!
ULTRAPERIFÉRICO
Há o centro
o Sul e o Norte
a periferia.
Eu quero ficar na
fronteira entre a
periferia e o abismo.
Na Sombra que cai
vertiginosamente
no esquecimento.
Só o esquecimento
nos salva e
nos resgata a inocência.
NATAL DE 1997
a Lamarim
Agora que já não tens de lavar a roupa
do asilo na água fria da ribeira
que não tens nove filhos para alimentar
com a pouca farinha que te resta
Agora que não tens sobre ti a mão pesada
do bêbado lá de casa – um diabo disfarçado de marido
Agora que não tens de fazer o sacrifício de lhe abrir as pernas
Agora que já não te bate o filho mais novo no canto da rua estreita
Agora que já não te bate a filha na Ponte dos oito Arcos
Agora que já não te bate a tua Rica nora
Agora que não te roubem as netas
Agora que podias facilmente sorrir
Agora que podias lentamente comer à mesa o polvo guisado
que podias ouvir a música das luzes da árvore de Natal
logo agora tinhas de morrer
no dia exato
na hora certa
no dia em que deitado sobre palhas
o teu menino de loiça iria abençoar-te todo o sofrimento
na mais longa noite de Natal
na noite do cântico do Galo
logo agora tinhas de morrer.
E agora que estás estendida no teu caixão
com o teu melhor vestido de flores (Não me vistam preto!)
nesse teu dia tão adorado – este dia de Natal
esperando que a paz deslize entre todos os teus filhos
eis que a disputa sobre o teu manto começa.
E balançando o caixão ainda fresco perguntam
a quem caberá as joias mais brilhantes do teu palácio
essa casa sem janelas e de duas divisões.
E como o silêncio ainda durava a guerra estalou
frente ao teu caixão ainda fresco.
E rasgaram-te os pequenos panos
e dividiram os dois anéis que tinhas
as poucas pombas de loiça
os poucos pratos de faiança
as canecas de esmalte.
E quando tudo foi divido partido espezinhado
a prospera Vila com sobrenome de cidade
veio limpar-te o pequeno ninho com
escavadora e nesse terreno de dor
fixaram um maravilhoso poste de luz.
E todos Lamarim
te esqueceram.
Todos menos eu.
“Bellis azorica”