Eco-Arquipélago no Maratona 1 – MARATONA ÓPERA XXI OPERAFEST LISBOA

Música de João Ricardo
Libreto de Tatiana Faia
Jardim do Museu Nacional de Arte Antiga
Mais informações aqui


Poussin, Eco e Narciso

Poussin, Eco e Narciso


Criada no âmbito da primeira Maratona de Ópera do XXI OPERAFEST Lisboa, onde um grupo de jovens criadores apresentará quatro óperas, Eco-Arquipélago, com música de João Ricardo e libreto de Tatiana Faia estará em cena no Jardim do Museu Nacional de Arte Antiga no dia 30 e 31 de Agosto. Os bilhetes estão disponíveis aqui.

O elenco de cantores é:
Rita Filipe, meio-soprano
Tiago Matos, barítono

Eco-Arquipélago é uma adaptação livre, a um contexto contemporâneo, do mito de Eco e Narciso. Toma-se como ponto de partida a versão narrada por Ovídio em As Metamorfoses. Nessa versão, o adolescente Narciso rejeita o amor da ninfa Eco que, quando este a procura, nada pode fazer além de repetir as suas palavras. Repudiada, esconde-se numa gruta e vai-se transformando em pedra. Um dos muitos amantes que Narciso rejeita, além de Eco, amaldiçoa-o: que ame, mas nunca possa possuir o ser que ama.

Um dia, Narciso vê o seu reflexo na água e, curvando-se para beber, apaixona-se desesperadamente por si próprio, com a mesma intensidade de sofrimento de Eco, até que se consome. No fim, o seu corpo transforma-se na flor do seu nome. Sobre este episódio escreveu o classicista norte-americano Daniel Mendelshohn, em The Elusive Embrace: Desire and the Riddle of Identity, que é sobre dois tipos de identidade: aquela que se define pela diferença e a que se estrutura na mais absoluta semelhança, e que ao justapor a trajetória destas duas personagens, Ovídio sugere que a verdade acerca da identidade humana não é tanto um caso de total polaridade, mas de equilíbrio entre estes dois conceitos. Curiosidade, desencontro, repúdio, a aflição da paixão, identidade, diferença e narcisismo, são a escala de conceitos e emoções que este mito percorre.

A premissa deste episódio de um poema do séc. I a.C. mantém-se atual: não sendo capazes de estabelecer uma ligação profunda com os outros, é no abismo de nós próprios que nos afundamos. Assim Narciso no mito, que se dissolve em fogo perante a sua imagem que lhe foge, até que o seu corpo se metamorfoseia em flor. Interessa-nos, aliando música e texto, enfatizar o elemento melodramático deste episódio, e reter a ideia de encontro e desencontro e da aparente incapacidade das personagens de se ligarem uma à outra, explorando e alterando os motivos por que ambas parecem falhar. Através da música e da narrativa iremos expor os modos em que este mito é ainda hoje pertinente para pensar um dos aspetos mais cruciais das nossas vidas: num tempo em que tudo é mediado pelas imagens que projetamos de nós próprios, e muitas vezes pelo narcisismo que acompanha essas imagens, o modo como sucedemos ou falhamos em estabelecer ligações mais profundas.

O título Eco/Arquipélago encerra a premissa de que a semelhança pode ser o primeiro passo em direção ao outro, mas que este impulso de medo e curiosidade pode encerrar em si um mundo próprio: duas personagens que são como dois pontos isolados mas que juntas, não se dissolvendo nem em diferença nem em semelhança, formam um arquipélago. Abriremos, assim, um espaço para falar do que existe antes dos estereótipos e das ideias que formamos sobre os outros. Prestaremos uma discreta homenagem a Gluck e ao seu tratamento do mito de Orfeu e Eurídice, em Orphée et Eurydice, reescrevendo também radicalmente o nosso final.