Cinco Postais da Pandemia

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1.     P. é uma médica reformada oriunda de Navarra que vive há quase três décadas em Oxford. P. para mim foi sempre P., sem sobrenome. Fomos colegas a italiano. Sentávamo-nos ao lado uma da outra e começámos por falar da estátua do pintor à entrada do El Prado em Madrid e nunca mais parámos de falar sobre museus, quadros e pintores e raramente ouvíamos a aula, competíamos a ver quem conseguia ser mais douta e mais pedante. Ela tem um conhecimento enciclopédico dos pintores mais obscuros do Renascimento italiano e do Barroco espanhol que a mim me inspira uma admiração profunda e uma inveja de morte. Nunca tive a mínima hipótese. Desisti em desonra do italiano porque esta competição com P. me irritava infantilmente, mas paradoxalmente continuei a encontrar-me com ela. Isto foi por acidente, mas todas as quintas e sextas-feiras depois das três da tarde na livraria Blackwell’s em Broad Street durante quase dois anos nos sentámos e bebemos café juntas. Ela estava lá sempre àquela hora e eu também. Tenho feito umas quantas amizades assim. Começámos com um tímido aceno, ambas admitimos que nos intimidava um pouco a colega que se sentava na nossa fila nas aulas, uma americana do Texas que tendo chegado à crise de meia-idade, e num assomo de aborrecimento que talvez desafie alguns estereótipos de género, convencera o marido, um multimilionário do petróleo, a comprar-lhe um iate de inspiração faraónica. Mas nem o iate a curara do tédio e do medo da morte. Daí ela ter vindo estudar italiano e empatar as minhas conversas com P. Da primeira vez que bebemos café, perguntei a P. que problema lhe resolvera a ela o italiano, assumindo que não fora algo como um iate. Ela saca da cópia dos I Promessi Sposi, põe o calhamaço em cima da mesa, e confessa-me que amou Manzoni a vida toda e também que agora ninguém a bate no clube do livro italiano que se reúne na Waterstones (a livraria que concorre com a Blackwell’s – sem sucesso) a cada mês.  Ri-me muito e ambas nos sentimos alegres por aquelas pobres almas de estudantes pretensiosos do segundo ano de direito, enviados de Harvard e de Princeton, e de professoras primárias em pré-reforma nem terem ideia de como P. lhes ia cair com o Manzoni em cima. Ela pergunta-me que problema queria eu resolver com o italiano, eu respondo-lhe que uma nostalgia sem raízes pelo sul, da qual no entanto, sendo hipócrita e do contra, já sofria quando vivia no sul, uma nostalgia do sul mais a sul ainda do que qualquer fado, flamenco, rembetika ou tarantella, isso e Montale, Bassani, Ginzburg e Pasolini, a minha sagrada trindade mais um. Um dia foi P. quem me emprestou um livro de Miguel Hernández, o primeiro dele que li, e uma vez declamou de olhos fechados, cobertos de um espesso rímel azul, uma secção inteira dos Campos de Castilla, que eu nunca ouvira dito em perfeito castelhano. Em dois anos nunca percebi que nunca tinha pedido a P. o seu número de telefone, nem nunca tive o email dela, porque o professor, um siciliano discreto e ferozmente inteligente, oriundo de Catania, nos enviava os emails com toda a gente em BCC. O professor arranjou um emprego na Califórnia e não aparece em lado nenhum se googlado. Foi por isso que no princípio do confinamento, quando lhe enviei um email em desespero de causa para o seu antigo email da universidade, ele veio devolvido. Era um email onde lhe pedia o contacto de P. Não me lembro de mais ninguém naquele curso a quem pudesse pedir o contacto de P. Vai para três meses que a livraria está fechada e nada sei de P.

 

Cy Twombly, Study for Achilles Mourning the Death of Patroclus, 1962

Cy Twombly, Study for Achilles Mourning the Death of Patroclus, 1962

2.     A última vez que entrei num museu foi no dia 7 de Março. Foi no British Museum e eu sentia-me vagamente doente. Apanhei um comboio cuja estação terminal é menos frequentada do que os comboios que correm muito mais rápidos entre Oxford e London Paddington, negando-me assim a alegria fácil de ir olhar a estátua do urso. Talvez esse tenha sido o primeiro hábito que a pandemia me interrompeu. Ursinho Paddington, herói estrangeiro de uma Inglaterra acolhedora que não vota nos conservadores e não aceita a xenofobia, com o seu duffel coat, a primeira espécie de casaco que comprei em Inglaterra, no meu primeiro inverno inglês, de longe o mais deprimente de todos, tão gasto de eu andar de bicicleta com ele que foi remendado três vezes até desistir de vez. 8 de Março foi o último dia da exposição sobre Tróia no British Museum. Já então o museu estava quase vazio e uma certa aura fantasmagórica permeava Londres. Atravessei uma Bloomsbury semi-deserta, com Virginia e Leonard em mente. Vai para três meses que não atravesso Bloomsbury, porque não conduzo e não quero entrar num comboio se o puder evitar. Nessa exposição de Tróia queria ter-me lembrado de em tempos ter amado perdidamente Homero, foi disso no fundo que fui à procura, mas nos vasos muitas camadas de tempo se confundem, aquelas que os versos desses poemas tocaram, que vão mais ao menos do século XIII a.C. (confiando em Eratóstenes) até ao presente, um tempo que a exposição ora estratificava cortando-o em finas fatias de rígida sucessão cronológica, ora confundia para enfatizar certos eventos e certas personagens. Mas não me queixo, à entrada um verso de Catulo lembrou-me que também Catulo amou Homero. Como me podia eu ter esquecido daquele verso, recordado naquela chuvosa manhã de Março, quando viajei em comboios semivazios, cheios de uma aura de clandestinidade, como se Londres estivesse a adoecer inteira do lado errado do pulmão do mundo? À entrada havia um dos quadros de Cy Twombly do ciclo da raiva de Aquiles, que eu não sabia que era um ciclo. Vi dois desirmanados em Paris, talvez em 2015 e agora este (quem sabe quando e como me encontrarei com o próximo?). Na tela branca o perfil triangular de uma imensa seta atravessa a marca da sua própria haste para se tornar vermelha na extremidade, a promessa da ebulição e da gota que faz transbordar o copo. Vai para três meses que não atravesso nenhum limite nem ofendo ninguém nem nenhuma paixão mortal me fere.

Cy Twombly, Vengeance of Achilles, 1962

Cy Twombly, Vengeance of Achilles, 1962

3.     Swoon. Em Swoon todos os empregados de balcão são jovens e excessivamente musculados e todos têm um ar infeliz. Como se todos merecessem ter sido empregados de um pub hipster no Soho, mas tivessem ficado em segundo lugar nessa entrevista e tivessem acabado em Swoon como castigo. Mas alegram-se um pouco se não somos chatinhas, se não os tratamos como se fôssemos os clientes mais tristes deste mundo, e se lhes dizemos que também nós estamos cansadas e aborrecidas de morte, que só queremos uma overdose de açúcar e cafeína para chegarmos ao final da sexta-feira com uma taxa de zombismo de menos dez por cento do que o habitual. Eles riem-se e parecem menos zombies também. Mas serve este pormenor para lembrar que o mundo corre a um ritmo insustentável, que de um modo ou outro mutila as pessoas. Essa é outra forma de vírus mortal. Em Oxford, quem percebe alguma coisa de café e gelado, acaba no Swoon, que estando em High Street, parece uma armadilha de turistas, mas não é. O Swoon é o território de duas amigas, I. para comer gelado e beber chocolate quente todo o inverno, e C., para beber café que vem de Nápoles e que, ambas concordamos, não é água de lavar pratos. A minha amizade com I. variou muito ao longo do tempo, falamos de tudo e mais alguma coisa, livros, plantas, o trabalho, o medo de estar vivo, mas há na minha amizade com I. um fundo do mais profundo amor, como aquele que une irmãos. Mesmo quando nos afastamos, ela faz-me sempre falta, e preocupo-me sempre em saber se ela está bem. I. não pode sair. Uma mistura de falta de indicações médicas claras sobre a doença crónica que a afecta e o potencial efeito do vírus sobre a sua imunidade significam que o mundo está interrompido para I. há três meses. Há três meses que I. não sai de casa. Faz-me falta o riso de I., o seu amor cego e ansioso pela Juventus, a sua inteligência rigorosa, preocupada em tentar concertar algumas das injustiças no meio das quais vivemos, a sua prudência, que ela acha ser uma forma de pessimismo. Faz-me muita falta abraçar I., ela que me ensinou o abraço psicopata (à distância mantendo apenas os braços abertos) antes disso ser moda, quando confundíamos o estarmos sobrecarregadas com uma misantropia digna de caricatura. Com C. falo de literatura avant-garde, que se lê em Paris ou Nova Iorque e de cidades distantes. C. apaixonou-se sem saber bem como, a meio da pandemia, por um realizador de cinema que filma sonetos shakespearianos em clipes de trinta segundos, contra planos de duas cores que mudam à medida que os segundos avançam, e cujas tonalidades são inspiradas nos quadros de Rothko. C. diz-me que de repente tem muito menos medo do mundo, porque esta crise demonstra que ele não pode ser evitado. Explico-lhe que me faz falta o barulho das máquinas de café e que às vezes alucino com esses sons e que no outro dia me apanhei a meio de uma noite de insónia a pesquisar em sites descrições e explicações da origem dos vários tipos de som que as máquinas de café fazem. George Steiner morreu no princípio deste ano de 2020. O meu livro favorito dele é The Idea of Europe.  

4.     Os cavalos começaram a aparecer alguns dias depois da ordem do confinamento, quando nos passou a ser permitido passar apenas uma hora por dia na rua. Atravessam as ruas do bairro quase de madrugada e voltam ao fim do dia. Os cavaleiros vêm vestidos com um equipamento que parece ser o dos guarda-redes do hóquei no gelo. A primeira vez que os vi foi numa manhã muito cedo enquanto bebia café e olhava pela janela. Ouvi os seus cascos ao longe até que eles se começaram a ver ao fundo da rua, lentamente, em passo de passeio. Os cavalos, preciso de me lembrar, não são os do apocalipse, o seu dom não é o da profecia nem o dos finais violentos, vêm do hotel de cinco estrelas, junto a Abingdon Road. Nenhum carro atravessa a estrada principal durante horas e só se ouvem os cavalos. Escuto-os nervosamente, são o primeiro sinal de que o tempo enlouqueceu com uma quietude profunda. Este som terá cortado estas mesmas ruas quando em Praga no final da segunda década do século passado, Kafka adoeceu com a gripe espanhola, da qual não veio a morrer. A estrada alcatroada é agora toda dos cavalos. Também eu caminho a pé pelo meio da estrada, ou pedalo cegamente entre Oxford e as pequenas vilas que a rodeiam. No frio das madrugadas em Março e em Abril, às vezes só eu de bicicleta, e os cavalos esguios como em El Greco, ou como um quadro surreal ou esgueirando-se pela margem de uma loucura literata como num episódio no D. Quixote. De noite, sonho com os meus mortos, com o meu irmão, e os meus tios, e os meus tios-avós, e os meus avós, sepultados num cemitério de província, completamente de um sul rural, noutro país, e com os cortejos fúnebres de carruagens puxadas a cavalo de uma infância de colegas de escola afogados nos verões de um rio que está agora longe o suficiente para se fazer passar por mitologia. A pobreza do campo é outra pandemia mas não há já motas em Abingdon Road que me devolvam o som da infância, só cavalos, e o café dos Portugueses fechou, nem sinal dos dois irmãos, nem das suas mulheres, nem bicas, nem bolas de Berlim, nem pastéis de nata congelados, na arca frigorífica, duas prateleiras abaixo das garrafas de Old Speckled Hen. Caminho para o norte da cidade para comprar farinha aos italianos, beringelas e vinho aos gregos, o meu patriotismo é pouco nacionalista, mediterranicamente incoerente. A loja tornará a abrir, mas muito mais tarde, e em Junho. À data em que escrevo estas notas, o café segue fechado. Os cavalos são os do hotel de cinco estrelas mas são também os de Guernica, os seus olhos uma revelação larga e contundente de uma luminosidade misericordiosa para lá dos candeeiros, cujo fulgor é de ordem explosiva, quando eles reprimem a sua velocidade rente aos ramos das macieiras, são por isso o eco distante de paixões homicidas, que antecipam uma península banhada em sangue. A Península Ibérica está sempre comigo, agora que me vejo num longo cerco de água por todos os lados menos aquele que me liga à extensa massa de um continente. Isto é má prosa. Abro a janela para deixar entrar o céu, as vozes dos pássaros, os cascos dos cavalos. Em Os Três Verões de Margarita Liberaki os olhos de Infanta enchem-se de lágrimas, da primeira vez que ao galopar cegamente o seu cavalo, Romeo, ela pressente que jamais se poderá libertar da sua própria quietude. Para matar a monotonia deste tempo, no pequeno apartamento de Marlborough Road, enchi de cavalos e livros o ar. É esta quietude mental o que também eu não me posso perdoar, e já vinha de antes.

 

5. Quando o mundo era ainda normal, E. publicou um livro sobre arquitetura da época clássica à contemporaneidade que a tornou famosa. É por isso que quando em Janeiro ela veio de Paris a Oxford para dar três conferências e várias entrevistas a todo o tipo de jornais famosos nos divertiu que ela ficasse em minha casa, no sofá mais velho e desconfortável de toda a cidade. E. vinha um pouco doente de amor pelo colega que a tinha convidado, cujos textos ela tinha lido e admirado à distância, um arquitecto alto, belo e sabido, como os piratas venezianos que fizeram fortuna nas costas da ilha onde ela nasceu. Eu disse-lhe, E., isso vai dar merda. Ela disse-me, “eu sei, eu sei.” E. disse-me, quando me rio sinto que o meu riso carrega já a ponta da dor que isto me vai dar. E. não dormiu quase noite nenhuma no sofá azul desbotado, e voltou para Paris ferida de amor e da tonta alegria e à medida que os países se fecharam, a partir do receio de uma separação, da morte precoce de algo que ainda mal tinha começado, veio do colega pirata a namorada do Canadá, que não estava neste enredo, e ele deixou de responder a E., em poucas semanas deixou de lhe falar completamente. E. diz-me, vejo as vedações dos jardins fechados e as magnólias que florescem não podem curar a minha pena, quero abraçar-me às árvores e desaparecer e florescer de outro modo, quero que o som da primavera à minha volta cure depressa esta coisa que dói sobre o peito como um afogamento. A primeira morte é de amor e parece que custa sempre mais do que outra qualquer. À medida que ele dorme no seu silêncio distante, o mundo para mim esvazia-se. E. escreve-me este tipo de coisa mais ou menos constantemente. Nos Jardins do Luxemburgo, nas tardes que se vão tornando de sol, ninguém se senta nas cadeiras verdes vazias, junto às fontes, e cruelmente o rumor da água recorda-me a voz dele. O problema do meu amante efémero é que no seu desaparecimento ele permanecerá misterioso como um fauno. E. telefona-me um dia ao fim da tarde e diz-me que de madrugada pedalou até ao Arboretum de Paris e saltou a vedação para abraçar uma das magnólias. Eu queria falar-lhe de Perséfone, da morte que Deméter dá às flores e aos frutos quando Hades, o amante, faz a sua filha desaparecer no Inferno para a desposar, e tudo volta a renascer quando a filha pode regressar. O casamento de Perséfone são seis meses no Inferno com o marido e seis meses na terra com a mãe. Mas ela diz-me antes que o guarda do Arboretum a apanhou em trespasse e queria chamar a polícia, em vez disso contentou-se que ela a ajudasse a regar, salvaguardando as devidas distâncias, as laranjeiras e outras árvores que pedem pequenos cuidados. Agora de manhã cedo e ao fim das tardes E. regressa ao jardim para se estender e se desapaixonar de ouvido colado à terra. Ela diz-me, o rumor de Perséfone que parte e regressa pode ouvir-se no rumor das plantas, de ouvido colado ao chão, estou a tentar respirar com a terra.

Escadas com Mimosa, Pierre Bonnard, 1946

Escadas com Mimosa, Pierre Bonnard, 1946

Oxford em quarentena: algumas imagens

Quarta-feira passada foi um dia de chuva miudinha em Oxford. Uma amiga ficou retida na cidade porque se tornou muito complicado regressar ao seu país de origem, a Lituânia. Antes das medidas mais severas de lockdown, que entraram em vigor ontem, encontrámo-nos para caminhar um pouco. Algumas das fotografias abaixo foram tiradas na hora de ponta, em algumas das ruas mais movimentadas da cidade e em algumas das que atraem mais turistas. As duas últimas foram tiradas no dia seguinte, são pessoais e preferidas, uma é o gato de um dos meus vizinhos, que muito frequentemente está em cima do muro do prédio onde vivemos ou no jardim comum. Há vários dias que não o via e fiquei contente de reparar que a sua rotina prossegue, mais ou menos normalmente. A outra, é de uma oliveira que pertence uma das casas em St John’s Street, uma rua onde em dias normais passo muito, porque é onde está a biblioteca de clássicas, a Sackler Library. Penso que não terei quaisquer saudades destes passeios fantasmagóricos.

High Street

High Street

University Church of St Mary the Virgin

University Church of St Mary the Virgin

Magpie Lane

Magpie Lane

Oriel Square

Oriel Square

St Aldate’s

St Aldate’s

Christ Church Meadow

Christ Church Meadow

Christ Church College

Christ Church College

St John’s Street

St John’s Street

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Salas de música, chávenas de café, outras coisas

 

Esta rua está cheia de músicos. É um facto que se torna evidente por volta das oito da manhã, quando o vizinho do lado toca os primeiros acordes no piano, ou quando às vezes ao fim do dia se pode ouvir o coro de St. Matthew’s, a igreja em frente. Leonard Cohen canta em Famous Blue Raincoat, New York is cold, but I like where I’m living, there’s music on Clinton street all through the evening. Também esta rua se enche de música ao fim da tarde. E há vários músicos nestas casas, as traseiras dão para jardins com macieiras cujos ramos, durante boa parte do ano, estão pesados de maçãs, num bairro construído de tijolos, ocre e castanho. A princípio esta harmonia na cor não se reconhece logo, gatos de pêlo hirsuto pontuam a paisagem, e estendem-se ao longo dos muros das casas dos músicos, sendo de vez em quando perturbados por um acorde mais dissonante.

            Um sábio chinês uma vez disse que os humanos precisavam da harmonia da música para serem humanos, ou algo deste género. Investigando este sábio chinês, descubro que um sino da época em que ele viveu (há dezenas de séculos) se conserva no British Museum. Pergunto a um entendido como soa o sino dessa época. Ele diz-me que não é um som nada agradável: a passagem do tempo degradou o material. Sinos tinham toda outra espécie de usos na China deste sábio. Podiam servir como contrapeso, permitindo assim calcular o peso exacto de qualquer objecto numa transacção comercial. Fazê-los tilintar perto de um objecto permitia que, pela amplitude das ondas sonoras, se determinasse o volume desse objecto. E há, claro, a harmonia dos sinos, que só apareceram na Europa séculos mais tarde e que enchem as ruas da cidade e dobram por rituais que por vezes desconheço. Um dia de chuva, no Inverno, à tarde, quando anoitece cedo e o som dos sinos enche a rua principal, ora aí está uma coisa que mete respeito. De onde vem esta impressão? No dobrar dos sinos esconde-se um sentido de comunidade. Mesmo uma pessoa que não seja daqui, de repente vê-se, envolvida como todos os outros, na experiência do som. Por entre as caras há uma que te vê assim como estás, parado e surpreendido, e te sorri e tu sorris de volta. Isto é uma impressão agradável: o equilíbrio momentâneo da cumplicidade entre estranhos. Ou caminhar no escuro com o som dos sinos, seguindo as luzes reflectoras da mochila do marido, que caminha um pouco à nossa frente.

            A partir de certo momento, os sinos na rua, os músicos dentro das casas, o eco do coro de dentro da igreja não bastam, e é aí que damos por nós a comprar um bilhete para um concerto com outros instrumentos que não vozes ou sinos. A sala de concertos para música de câmara mais antiga da Europa, concebida especificamente para esse propósito, fica em Oxford, em Holywell Street, e pode ser que a ideia do sábio chinês acerca da relação entre música, humanos e o conceito mais geral de humanidade encontre expressão no facto de que a Holywell Music Room foi construída em 1742 por subscrição pública. Não só a ideia de que uma comunidade inteira se juntou para pagar a construção de um lugar onde ouvir música é um sinal do apreço dos humanos por esta actividade, mas esta ideia é tanto mais notável porque a iniciativa de construir a sala nasceu na Universidade e, como quem vive aqui bem sabe, a tradição é a de que as relações entre os habitantes da cidade e a Universidade nem sempre foram – e nem sempre são – as mais cordiais. A cidade está cheia de pontos de dissonância, onde os habitantes perdem facilmente a paciência com os estudantes. Os pubs, claro, são os lugares por excelência desta dissonância e, em alguns casos, há firmes demarcações de território. Uma particularidade de Oxford é que uma percentagem gigantesca do território da cidade está fechada por detrás dos muros dos colégios, onde quem quer que não pertença a esse colégio em particular tem a entrada ou simplesmente vedada ou cuidadosamente fiscalizada. Neste sentido, com a sua aparência democrática, a Holywell Music Room é um lugar excepcional.

Holywell Music Room, Holywell Street, Oxford

Holywell Music Room, Holywell Street, Oxford

A primeira regra da sala é que não existem lugares marcados e o preço dos bilhetes é o mesmo para todos, ainda que para os Sunday Coffee Concerts haja uma pequena excepção. Algumas das pessoas que aqui estão quase todos os domingos de manhã, a partir das 11.15 da manhã, frequentam estes concertos há 30 anos, algumas delas envelheceram a vir aqui, e a organização reserva-lhes o lugar que elas preferem.

O bilhete, que custa 12£ para o público em geral e que tem um desconto de 1£ para estudantes e idosos, oferece-nos um café ou no Vaults & Garden Caffè ou no King’s Arms e a população que assiste ao concerto divide-se entre estes dois cafés de uma maneira que não é aleatória. O Vaults & Garden é o café que fica dentro da Old Congregation House, construída em 1320 e que é o lugar onde o conselho da Universidade originalmente se reunia, à data da fundação da Universidade. Ora, a fundação da universidade é eclesiástica, e a Old Congregation House é um anexo que pertence à igreja de St. Mary the Virgin, que também é propriedade da universidade e que fica exactamente no centro de Oxford, em frente a uma das bibliotecas principais, a Radcliffe Camera. Em época de exames, como em quase todos os edifícios da Universidade que possuem uma torre, os estudantes estão proibidos de subir à torre de St. Mary, não vá dar-se o caso de estes estudantes simpatizarem demasiado com a ideia de Thomas Bernhard de que a educação pode ser uma forma de aniquilação para o indivíduo.

Cerejeira na passagem entre St. Mary the Virgin e a Radcliffe Camera. Quando a cerejeira floresce: spring is coming.

Cerejeira na passagem entre St. Mary the Virgin e a Radcliffe Camera. Quando a cerejeira floresce: spring is coming.

 Além da localização, o Vaults & Garden tem outros motivos de interesse. É um dos poucos lugares em Oxford onde se pode comer uma refeição barata e de qualidade bastante razoável, uma coisa que os turistas que aqui chegam raramente descobrem, porque se é de comida barata que estão à procura correm para os restaurantes de fast food de Cornmarket ou para o Four Candles, um pub não muito longe dessa rua e não muito longe da estação de autocarro. Cerveja barata, english breakfast a 5£ e estudantes bêbados mais ou menos a qualquer hora do dia são três promessas que o Four Candles oferece aos seus clientes. Outra, não tão óbvia como as primeiras três, é que não é um mau sítio para comer nachos e beber ale ou cidra enquanto se vê futebol.

Four Candles. Sítio onde comer nachos. Cerveja barata.

Four Candles. Sítio onde comer nachos. Cerveja barata.

Nachos e futebol à parte, este pub é um ponto de encontro e despedida, e Oxford é uma cidade regida pela mão invisível que às vezes muito aleatoriamente nos atira uma dessas duas sortes: há sempre alguém novo e sempre alguém que está prestes a ir-se embora. Vim aqui a demasiadas festas de despedida de amigos para poder verdadeiramente simpatizar com este sítio. Até à estação de autocarros é uma caminhada de 200 metros e não é raro ver um grupo que se junta para a última cerveja antes da última corrida até à estação de autocarro, ajudando a arrastar sacos e malas, e aí invariavelmente o autocarro é o The Airliner (Gatwick, Heathrow) ou o National Express 737 (Luton, Stansted). Um coro de gente bêbada e vagamente chorosa, por vezes aos gritos ou a rir-se debaixo da chuva torrencial, casacos, chapéus de chuva, malas, mochilas, maletas, sapatilhas debaixo do braço, chão esburacado e lama e depois um abraço demorado, risos, e depois silêncio, cara composta, e depois o motorista do autocarro berra, “Ói, lóve! North terminal or south?”, e aí conversa acabada. Nós, que somos leitores, podíamos citar aqui os poetas, invocar a protecção da ironia e era aqui mesmo que íamos deixar cair aqueles versos, Billy Collins, “Aimless Love”, “but my heart is always restless, always ready for the next arrow,” e é então que entendemos que nenhuma protecção é possível, e que nunca vai haver elegia que nos valha, apenas tentarmos aprender bem a alegria das chegadas, os rituais por que ela se anuncia, o trabalho planeado das longas viagens, das conversas que se arrastam noite fora e que nunca vão durar que chegue, e vão ficar sempre em suspenso, as conversas que podemos ter apenas com os melhores amigos.   

O público dos coffee concerts que frequenta o Vaults & Garden é essencialmente de três tipos, os turistas, que são sempre mais ou menos um corpo estranho aos concertos (há, claro, um núcleo de habitués, caras conhecidas que se repetem mais ou menos todas as semanas), os madrugadores (o Vaults & Garden abre mais cedo do que o King’s Arms), e aqueles que assistem à missa e, um pouco mais tarde, ao concerto.

Mas nós não vamos à missa, o nosso ritual é mesmo a música, e raramente madrugamos ao domingo, por isso quase nunca pomos os pés no Vaults & Garden, e é ao King’s Arms que nos dirigimos. O King’s Arms é contíguo ao Wadham College (uma das salas do pub chama-se mesmo Wadham Room) e as paredes estão forradas de fotografias de Graduation Ceremonies de sucessivos anos e é preciso fazer um esforço para não nos sentirmos perturbados por uma das fotografias que ocupa o lugar de destaque, a do (então jovem) príncipe Carlos num fato cinzento a tirar um pint de cerveja. Da primeira vez que entrei no pub olhei para o fotografia de relance e, por qualquer lapso freudiano, pareceu-me que se tratava de uma imagem de George W. Bush. Desfeito o engano, há apenas uma fotografia em que não estou certa de não constar uma imagem de um político americano famoso: uma das fotografias mostra um grupo de rapazes e raparigas a comer pies e uma das raparigas parece-se bastante com a jovem Hillary Clinton, se bem que quem conhece os pubs de Oxford sabe que este não é o pub certo para procurar memorabilia do tempo em que Bill Clinton foi Rhodes Scholar em Oxford, mas não se está longe, é andar uns trezentos metros por Holywell Street, e virar à esquerda na placa que anuncia a Turf Tavern (sem a existência desta placa o lugar nunca seria encontrado). Uma outra placa dentro do pub disputa a possibilidade de Clinton ter travado um charro na década de ’60, neste mesmo pub. É um pub que não me agrada particularmente porque normalmente está cheio de estudantes e turistas, as cervejas são bastante comerciais (numa cidade que tem uma tradição que nunca mais acaba de produzir cervejas artesanais e onde existem uma série de marcas locais) e a comida tem exactamente o mesmo tipo de sabor do café que ali se serve – e isto não é um elogio.   

No King’s Arms o café que nos servem com o bilhete do concerto é café de filtro, café com nostalgia de chá, e se a mentalidade portuguesa a princípio sente isto como uma ofensa, uma das coisas que esta cidade aos poucos nos tira é o hábito de beber expresso – o melhor sítio para beber esse tipo de café talvez sejam os cafés dos árabes e dos libaneses em Cowley ou o The Missing Bean em Turl Street, um daqueles lugares em que a oferta apareceu por causa da procura, porque é uma das várias coffee shops que ficam a apenas um quarteirão de distância da Bodleian, a principal biblioteca da universidade. A diferença entre o The Missing Bean e quase todos os outros (com excepção da Turl Street Kitchen), é que posto entre uma loja de brinquedos (e de toda a espécie de bugigangas de colecção) e uma livraria em segunda mão, de alguma forma ela ocupa o ponto "entre" na paisagem do imaginário da infância e da juventude. E se vos está a passar pela cabeça que me esqueci de mencionar o café dos Portugueses em Covered Market (não muito longe do The Missing Bean), que tem um aspecto de dinner e se chama Brown’s Caffè (?), tirem daí o sentido, não só o café não é melhor do que o do The Missing Bean, como nos vamos sentir ofendidos pelo pastel de nata que, por reflexo condicionado, não conseguimos deixar de comprar com o café. Se é de um café e de um pastel de nata que estamos à procura, mais vale pedalarmos a distância razoável até quase ao fim de Abingdon Road e irmos ao AkiPort Shop & Café. O espaço é tal e qual aquilo que o nome promete, mais a impressão que a década de oitenta entre os Portugueses vai viver para sempre. Homens de bigode e permanente, criancinhas de vestidos de algodão cor-de-rosa e de brincos de ouro e louras platinadas de argolas nas orelhas e vários anéis nos dedos. O café é Camelo (nunca o nome da marca foi tão adequado) e é bem possível que este seja o melhor sítio para comer pastéis de nata 1400 milhas a norte de Lisboa.      

No King’s Arms, antes do concerto, bebemos café com o G. e com a S. Ele é professor na universidade e é comum viajar durante a semana. A última viagem dele foi à Índia, e explica-nos que os bairros pobres de Delhi não são piores do que os que ele viu em Atenas. Má nutrição, poluição, doenças endémicas e uma esperança de vida que não ultrapassa os cinquenta anos de idade. A diferença básica, assim posta enquanto o café nos aquece as mãos, entre ricos e pobres nas nossas sociedades mais igualitárias.    

Uma das coisas que ninguém nos explica quando compramos um bilhete para o concerto é que há dois espectáculos para serem vistos. A música por um lado e o modo como as pessoas reagem à música por outro. A sala é um semicírculo, de modo que, a parte da plateia que não fica diante do palco, fica de frente para o outro lado da plateia e de lado para o palco. Há três anos que é sempre a mesma pessoa que nos entrega o nosso bilhete na bilheteira (fica reservado de semana a semana) e eu não sei o nome dele, mas ele encontra sempre os nossos bilhetes sem que seja preciso indicar nome, morada ou mostrar-lhe um documento de identificação. Exceptuando nas alturas em que somos nós a viajar, ele está aqui sempre, de semana a semana, e em três anos, houve apenas uma semana em que não foi ele a entregar-nos o bilhete. Ele tem, claro, sempre uma piada acerca do tempo. Na Primavera pergunta-nos por que é que com este tempo viemos ao concerto, no Inverno diz-nos que o tempo está magnífico e não entende porque não ficamos lá fora. Às vezes, há situações que inesperadamente continuam de uma semana para a outra. Como quando há três semanas um homem vestido com um fato preto e uma gabardine preta distribuía panfletos para o concerto da British Chamber Orchestra no Sheldonian (o hall de cerimónias oficiais da Universidade, que na verdade funciona como tudo, como sala de conferências, de teatro, de ópera e, claro, de concertos). A S. aceitou o panfleto e não pôde deixar de fazer notar ao músico que ele parecia um mórmon. Na semana seguinte era uma mulher que distribuía os panfletos da British Chamber Orchestra, entregou-nos um, queixando-se que na semana anterior alguém fizera notar que o marido dela parecia um mórmon.

Tom Poster. Um dos grandes pianistas da actualidade. Sósia de Frederico Lourenço. 

Tom Poster. Um dos grandes pianistas da actualidade. Sósia de Frederico Lourenço. 

Não me lembro do que ouvi da primeira vez que aqui estive. Uma coisa, no entanto, é sempre evidente. As expressões nas caras das pessoas entram no humor da harmonia. Há as pessoas que fecham os olhos aos primeiros acordes e só os abrem no fim, há os chorosos, puxando dos lenços a cada intervalo entre cada movimento, há os que ouvem atentamente, com um semblante judicioso, há o sósia do J. M Coetzee que se senta no último lugar na fila de cima na ala esquerda e que encosta a cabeça à parede, virando-a ligeiramente para cima, à procura de alguma coisa que se atrasa todas as semanas. Suspeito que uma vez o Noam Chomsky estava na sala (olhos fechados, se era ele, é daqueles que segue o ritmo com o corpo). Há a estudante de música chinesa, que tira apontamentos e por vezes contempla os músicos com um ramo de flores (o músico favorito dela é de longe o violinista australiano Ben Baker). Nos meses em que estava a acabar o doutoramento este lugar foi um dos poucos sítios em que podia vir para parar de pensar em Homero. O tempo suspende-se e só existem os músicos com o seu ofício. E a música é uma arte que exige mais exposição: esta nota não pode ser repetida, ou a nota em falta não pode voltar a ser inserida. Algumas coisas que perdi ou julgava que tinha perdido têm-me sido inesperadamente devolvidas nesta sala, como coisas que são varridas para a costa depois de um naufrágio. Aqui, sentada na terceira fila, do lado direito de quem entra, tenho, semana a semana ocupado inteiramente o meu naufrágio, tentado conviver com a dura respiração da minha impaciência. E se esta fome branca que rói o peito do ouvinte se apazigua ao ouvir o segundo ou o terceiro andamento da Sonata para Arpeggione de Schubert, isto não chegou antes de aprendermos que se alguma peça de música pudesse ser a Ilíada, podia muito bem ser o quarto andamento do Quarteto para Cordas n.º 4 de Shostakovich.


Já que mencionei a Ilíada, se vocês alguma vez se perguntaram se existe neste mundo um pianista que seja o sósia do Frederico Lourenço, a resposta é sim. E é um dos pianistas mais talentosos da actualidade, Tom Poster. Ouvi-lo tocar Schubert ou Gershwin é o máximo de valor que vocês alguma vez vão receber por um investimento de 12£ (11£ se forem estudantes ou tiverem mais de 60 anos).

Mas voltando a Shostakovich, é preciso falar da primeira vez que aqui ouvimos alguma coisa dele. E isso foi o Quarteto para Cordas n.º 8. Talvez o concerto para cordas mais amado de Shostakovich, é tocado mais vezes do que todos os outros quartetos juntos, e foi um quarteto composto fora da Rússia, em Dresden, escrito em 1960, depois de ele ter visto a destruição que a Segunda Guerra trouxe à cidade (o quarteto está dedicado às vítimas do fascismo e da guerra). Depois da morte de Shostakovich descobriu-se ainda que o quarteto foi composto com um pendor altamente biográfico, e é o quarteto que acaba por revelar a faceta de dissidente do compositor. Não que o mesmo não pudesse ser dito de outros quartetos, como é o caso do n.º 4. Há uma anedota que se conta de como os membros do Quarteto Beethoven (os músicos que trabalhavam regularmente com Shostakovich) tocaram duas vezes essa peça perante a censura e das duas vezes ela não foi aprovada.

Mas há qualquer coisa acerca do oitavo quarteto que não foi pensada apenas para quem tem uma atracção por ouvir música potencialmente muito deprimente a um domingo de manhã. Se pensarmos no quarteto como uma peça biográfica, como uma forma de vida, a nossa relação com ele muda. Em alguns momentos é uma paisagem de terror, de completa impotência, e no entanto, das intuições menos evidentes, há uma exploração de resiliência, isso de que Bellow fala em As Aventuras de Augie March, quando ele diz que pensar não chega para salvar a vida ou a alma, mas o mínimo dos prémios de consolação que isso nos dá é o mundo. E isso é este quarteto de Shostakovich.

Há outras coisas que Shostakovich pode fazer pela nossa imaginação. Se alguma vez se perguntaram como seria ouvir uma sessão de Jazz no inferno, o Quarteto para Cordas n.º 13 vai dar-vos isso. E se uma sessão de Jazz no inferno por algum motivo vos faz pensar na Rússia de hoje, então temos uma certeza básica para acrescentar àquilo que imaginámos ser o universo de crenças de Shostakovich: nada na música é inofensivo, nada é desarticulado do humano, e assim que nos encaminhamos para o último acorde, e os músicos afastam cuidadosamente os arcos dos instrumentos, como especialistas que tivessem acabado de desactivar uma bomba, e o aplauso da sala cai sobre eles (se gostaram mesmo muito, não se levantem, a lei do lugar é que se bata os pés), a única coisa que podemos fazer é estarmos um pouco mais vivos do que estávamos antes, capazes de entrever o que dá para fazer com um pouco mais de amplitude e harmonia, músicos que abandonam o palco, portas que se fecham nas nossas costas, tudo tão cuidadosamente tecido que agora até somos capazes de perdoar as notas que não estavam lá, ou a insuficiência das nossas - corpos sozinhos a sério, armados com as suas ressonâncias.