Dois poemas de Raquel Gaio

vi outro dia
um cavalo semi-morto no meu nome
no corpo dele, a mensagem :
quanto tempo resistimos agonizando?

as unhas parecem cozer o tempo
e a fé é uma grande ressaca

uma longa crina nubla nossa visão
temos o olho doente da mesma paisagem

há um grande abandono por aqui
um terreno baldio uma rodovia abismo
artérias inchadas de barrancos

mas (quase) ninguém vê

sabes que nossos nomes são grande uma invenção
mas o corpo, o precipício de toda espera.


e pensar que também é destino essa convalescência, essa busca pelo olho aberto, o enigma desapiedado, saber que cada ida também é uma volta precária, a carne aberta enferma primata, penso nas migrações que não aconteceram, no útero devastado, o tempo oxidando um corpo, estou numa cova de palavras e tu não me ouves daqui, estamos sempre aterrorizados pelos gestos, pelas patas inflamadas de vaidade, lodo, desejo, o colo, já te disseram que os ossos apodrecem diante de toda espera? temos na boca o desamparo da busca, e nos encontros a porção de eternidade, de infinito, labirinto que rege as distâncias e os espantos, todo nome aduba um terreno baldio e sei que no escuro, tu sabes também, não há ruído sem pretensão, sabemos da cólera e imaginamos o paraíso, o leito, um deus, mesmo sabendo o quão é difícil viver no nosso tempo, esse vazio, essa besta que grunhe, esse chicote que nos devora, tenho tanta ilusão nas articulações que desmorono antes mesmo de toda chegada.