E ele deixou quem berrava

                    E ele deixou quem berrava                   
queimar em vão & sem combate serem cinzas
enquanto o sol imerge & a noite roda o dia

Assim sem chance de causar mais morte
aos poucos passa a ira as mentes se arrefecem
tal como um peito ferido é mais feroz                           
quando é recente o golpe a dor & o sangue ainda entrega
aos membros movimento & os ossos não repuxam
a pele — mas quando a mão estanca então
o torpor ata as mentes os membros & retira as forças                            
depois que o sangue frio aperta nas feridas

Sedentos primeiro procuram por fontes secretas
cavando terras ribeiras subterrâneas
perfuram chão com enxadas ancinhos
com suas armas & o poço escavado no monte                   
desce ao profundo dos campos irrigados

Mas nem no curso oculto os rios ressoam
nada reflui das pedras abatidas
nas rochas nem orvalho se destila
nem veio emana dos cascalhos
jovens exaustos de suor
são retirados dessas minas
na busca pela água fez-se o calor
intolerável & os corpos fatigados
não se bastam de alimento & abandonando
as mesas assentam sua fome — se um trecho
do chão oferta um solo que se encharque
espremem sob a mão o sumo do charco
se encontram pelos cantos o preto dum limo
soldados se matam por goles & moribundos
matam a sede como vivos não fariam feito feras
secam o gado & quando leite acaba chupam
da teta exausta a borra do sangue então esmagam
ervas caules colhem ramos orvalhados
& apertam toda a seiva dos brotos
até a medula — felizes são os corpos
daqueles mortos pelos inimigos
& que infectam águas de outros rios
enquanto expõem ao dia o pus dixit Lucanus

que beberão homens de César

O fogo abrasa os órgãos a boca seca
a língua escama-se áspera & enrijecida
as veias mirram o pulmão ressequido
encerra seus canais suspiros duros
escavam mais os seus palatos & a boca
se arreganha a sorver o sereno da noite

                        esperam chuvas

que corram onde antes nadavam
o olhar se fixa na secura das nuvens
sedento o exército contempla
ali tão perto os próprios rios

A vida e as opiniões do barnabé guilherme gontijo flores, servidor do estado  

O tédio é a pior forma de tristeza.
(rodrigo madeira)

 

1. Begin the beguine

    Não fui criado para o filho certo
nem para o único
e mesmo assim em algo o sou
ainda que isso nada diga
de mim de outro estulto qualquer
eu não me congratulo
pois cada meu fracasso
não fora antes planejado
porém não disse nada inusitado
e em cada passo armado
o risco de cair 
se deu como a delícia
por  descumprir a sina ignorada
    O tédio não foi bom
nem mau nem meu nem médio
e confesso que nunca
pensei pular do prédio
para espetáculo da turba
que ajuntada na pressa 
logo estaria estupefatamente
desinteressada
    Eu pensei no passado
aquela velha igreja por exemplo
eu muito mais me a adentro
do que alguma vez 
pisei no seu mistério
e cada templo em que passei
mais parecia a casa
envelhecida dentro de um museu
como aquela matriushka que nunca tive
porque estava em outra parte
falseando outra história
    Eu não sorvi do sangue das vitórias
eu nem mesmo as contei
em nada fui desapontado
e creio não desapontei
na tarefa tão árdua de um abraço
eu recuava ao tempo da família
dos quadros apagados
dos nomes sem memória
e de um brasão talvez
perdido nas gavetas inventadas
de algum antepassado
que hoje sumiu sem deixar traço
e sem abrir no espaço 
uma ferida falsa
à qual eu me apegasse 

Toda história é cansaço

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