Antígona encontra Os Maias? As Pessoas do Drama de H. G. Cancela

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Há duas afirmações particularmente pertinentes para pensar sobre As Pessoas do Drama de H. G. Cancela. A primeira envolve dizer que o autor é sem dúvida um dos romancistas mais desafiantes a escrever literatura em português hoje, a segunda é que este romance é, em proporções diferentes, um estudo sobre a arte, o trauma e a ambivalência, e que o resultado destas características conjugadas não é tanto do âmbito da expiação quanto da violência que é exercida sobre as personagens e que passa para o leitor, em parte porque não há exactamente uma perspectiva ética que venha a emergir como produto da leitura e resolva as personagens de um ponto de vista moral (embora algumas sejam mais fáceis de ler do que outras). Nesse sentido, este romance é um pouco como as tragédias gregas a que o título parece aludir: uma exploração dos limites do humano.

Há, a meu ver, dois clássicos com que as As Pessoas do Drama dialoga sem que se apresente como releitura de nenhum. De alguma forma, é difícil ler o romance de H. G. Cancela sem pensar no outro romance sobre incesto da literatura portuguesa, Os Maias de Eça de Queirós. Por outro lado, há uma encenação da Antígona que se repete durante um longo período de tempo numa das partes centrais do romance e o elo com a tragédia de Sófocles é relevante (mas talvez não exactamente vital) para ler o romance. Se falamos de ecos da tradição, há ainda o facto de uma parte da acção se passar em Roma, e isto abre espaço para uma das reflexões mais interessantes que o romance propõe, acerca da natureza da ideia de herança cultural. A noção de herança cultural corre em paralelo com outra, mais oblíqua, a da hereditariedade dos traços e comportamentos que os filhos podem herdar dos pais.

A primeira parte do romance abre com uma longa sequência sobre um homem, o narrador (nunca nomeado), que evita abertamente quase todo o tipo de contacto social e constrói uma vedação em torno da sua propriedade. Pode haver aqui – ou não – um jogo com o mito do beau sauvage. Através das preocupações filosóficas que o estruturam, podíamos dizer que H. G. Cancela é um romancista que pertence à tradição de Vergílio Ferreira. Mas As Pessoas do Drama estilhaça toda e qualquer expectativa de uma re-encenação pacífica de referências culturais que pudessem estruturar as expectativas do leitor. H. G. Cancela, de resto, notava numa entrevista recente ao Público:

A subversão tem de agir no interior da regra. Qualquer subversão tem de se produzir a partir do interior. A subversão da gramática tem de se produzir no interior da gramática da mesma maneira que a subversão da moral se produz no interior da moral. Não há um espaço agramatical; não há um espaço amoral.[1]

Paradoxalmente, pode ver-se uma observação quase clássica de um aspecto da tragédia grega como descrito por Aristóteles: o violento segredo no centro do enredo não acontece em palco, ou seja, não é narrado em parte nenhuma do romance, não é sequer explicitado e cabe ao leitor, chegando à última página e deparando-se com a didascália que encerra o romance e que inclui uma breve descrição de cada personagem (um pouco como uma lista de dramatis personae), tentar reconstruir os eventos que definem o comportamento e o percurso de cada uma das personagens, bem como as relações que se estabelecem entre elas. Em parte, esta omissão acontece porque a escala daquilo que o romancista procura representar não pode exactamente ser articulado através da linguagem. De facto, algumas personagens perdem e recuperam a capacidade de falar ao longo do romance, e uma delas permanece muda durante toda a acção.

Do narrador, que nunca é nomeado, sabemos que esteve preso, embora nunca se explicite ao certo porquê, que não possui qualquer ocupação específica, embora seja descrito na didascália como médico e ele próprio a certo ponto se descreva como historiador.

No entanto, se no centro da Antígona de Sófocles estão em conflicto as leis de um estado e o dever ancestral de sepultar um irmão, para as personagens de As pessoas do drama a preocupação com algo que as ultrapasse parece estar para lá dos seus contextos. As personagens do drama estão no limite mas esse limite não tende para um fim. O desenlace chega por exaustão. O que é a identidade, a moral, os laços de família, o valor da arte, da linguagem, da civilização, são tudo perguntas com que o romance de H. G. Cancela se debate.

No centro da acção, há a obsessão do narrador com uma actriz italiana que ele vê uma vez num filme. Algo o move a ir até Roma para a encontrar. Desenvolve-se então um opressivo triângulo entre o narrador, Laura Spirelli (a actriz) e Filippo Arboreo (encenador da peça que Laura está a representar). Laura está grávida e o pai pode ou não ser Filippo, mas a relação entre ambos parece ter chegado ao fim. Todas as noites Laura sobe ao palco para representar uma Antígona cega e grávida, duas características que não pertencem à heroína da tragédia de Sófocles. Antígona é provavelmente, de todas as tragédias que nos chegaram da antiguidade, a mais popular e encenada de sempre, talvez em parte porque ao contrário de outros dramas clássicos, há uma resposta clara para o drama moral que a peça encerra. Antígona está certa em querer sepultar o irmão porque uma lei ancestral a compele a isso, em face disso, o drama de Creonte é acessório. Uma Antígona grávida e cega, no entanto, é uma metáfora que tanto serve para caracterizar a personagem de Laura, quanto para sublinhar o traço de uma ideia de eventual culpa hereditária por um caso de incesto do qual Laura pode ter sido o fruto. Esta reinterpretação de H. G. Cancela faz o leitor pensar mais em Édipo do que em Antígona. Podíamos então dizer que, indirectamente, por inferência, no centro do enredo de As Pessoas do Drama está este velho tema, se a culpa pode ser hereditária, se passa de pais para filhos. À superfície, esta pergunta parece estruturar o percurso de todas as personagens do enredo, mas sobretudo de Laura. Há na perspectiva da própria Laura e das outras personagens, uma certa misoginia que a objectiviza. Em parte isto explica-se pela profissão de Laura, ela é uma espécie de repositório para as personagens que representa, em parte isto é levado um passo mais à frente, pelo facto das expectativas dos três homens que estão no centro do enredo – expectativa não se confunde aqui com esperança – nunca contemplarem Laura para lá da posse, isto é talvez mais verdade acerca de Filippo do que acerca do narrador, mas o comportamento de Laura é definido a partir desta perspectiva.

Há um lado violentamente irracional que, no desenlace, parece levar a melhor sobre Laura e, como consequência, sobre as restantes personagens, trazendo a acção ao fim, marcando uma viragem. No entanto, a aporia é uma constante neste romance de H. G. Cancela, o lado destrutivo da vida que pode ser convidado apenas pelo facto de vivermos em conjunto com outros (daí o isolamento inicial do narrador), de dependermos deles, de deles esperarmos algo que pode bem não ser mais do que a pista da direcção do passo seguinte. A grande categoria ausente na caracterização de Laura é a vontade. A gravidez de Laura é vista por ela como uma espécie de obrigação que talvez simbolize a inevitabilidade da vida, as forças que estão para lá de qualquer poder de decisão. Não é certo que seja o lado violentamente irracional de Laura que leve a melhor no fim. É mais o caso de que se o seu último acto configura uma rejeição dessa inevitabilidade, pode também ler-se aí, polemicamente que seja, uma tentativa de romper o ciclo dessa inevitabilidade. Personagens desesperadas tomam decisões desesperadas. As últimas páginas parecem perguntar, o que é a sobrevivência? Como continuar? É também neste sentido que As Pessoas do Drama é um dos romances mais inquietantes de 2017.


A luta pelo dinheiro

Estação de Forest Hills, Queens, Nova Iorque

Estação de Forest Hills, Queens, Nova Iorque

Acordado desde as seis da manhã, enlatado no comboio, depois no metro, a navegar entre Newark, Bronx e Queens, a preparar aulas de português que serão leccionadas em inglês, a ler em espanhol, a palrar em inglês, a matutar em três línguas, de olhos cerrados varado por imagens de outra vida mais silenciosa e pacífica, passada em Santa Clara, mesmo ao lado do Panteão, com um cão enorme do qual toda a gente fugia - porque eu o soltava para as rotineiras flexões nocturnas - , pressinto ter descoberto o sentido do pós-modernismo, e logo corrijo pós-modernismo por realismo americano, o realismo do trabalho abismal, despersonalizado, este realismo guardador de vozes espanholas, portuguesas, americanas e indianas que se vão esbatendo à medida que o relógio se aproxima da hora de jantar. Os dias repetem-se, a mecanização ocupa o espaço interior, questões existenciais brotam cinco minutos antes de adormecer, repousamos os ossos, há sufoco, desespero e drama, um drama gigante como cenário, o drama da subsistência, olhamos para trás e surge a penúria, o não ter onde cair morto (pobre Lisboa), mas o tempo é escasso, não paramos, isto é como nos romances de Foster Wallace: tristeza, depressão em abundância, mas o trabalho primeiro, há que espargir notas de rodapé por todas as páginas, enviar um email, preparar um powerpoint, decorar o tal verbo, telefonar a fulano, comprar um tinteiro, falar a beltrano. Dramático, isto de lutar pelo dinheiro, quando o que pretendíamos era ler uma biblioteca inteira a apanhar sol à beira-rio. E a arenga vem a propósito de um excerto do prefácio de Eduardo Prado Coelho ao livro Poemas Quotidianos, de António Reis, em que se escreve: “Atravessamos nós uma rua e quantas vezes um poeta nos espera, ansioso e feliz.” Outros tempos, deste lado do planeta não se vislumbra um poeta, muito menos um poeta descrito como feliz, ao virar da esquina.  

Pequenas variações sobre a queda

O território sagrado do seu corpo
Adentrar
O território sagrado do corpo,
Claves em direção ao fetiche
Gozo múltiplo de formas em redondilhas
Curva imperfeita para a esquerda –
manter-se à esquerda é sinal politico
De polis
A cidade citiada com o fogo
Calmaria sobre lençóis emaranhados
Poderia ser Sade,
mas é apenas lira sentimental pós-moderna
Tudo é volatile
Mas o desejo não.
Muda,
Dentro do território sagrado do seu corpo:
I'm always falling up inside your head

O território sagrado do que lhe despedaça a carne.

*

I'm always falling up inside your head:
Acertar o fundo a ferida
Cair um pouco mais
Sentir o peso do corpo
Que pende para o solo.
Queda frágil
Cair
Cair
Cair
O solo detém o que sustém

Passos na direção de um corpo em queda livre
Não desvencilhar-se do desejo
Que range o tremer do solo que o recebe
Um pouco mais fundo:
Dentro e seco
Adentrar
O território sagrado do que lhe despedaça a carne;

Always falling up inside your head.


O tempo da terra 

Fumaste o teu primeiro charro comigo, 
eu falava-te das propriedades relaxantes da matéria. 
Aí habitava a matéria-prima de tudo, onde
a noite desceu sobre a floresta sobre nós, 
duas crianças entre escarpas áridas a verter, 
a calcar a terra a velar o ruído primordial. 
Perguntaste-me se os grilos não se cansam de
cantar toda a noite. Rimos a bom som e descobrimos que
o céu tem estado escondido no solo. 
Como as redes de pesca presas ao submundo marítimo. 
Fomos juntos. 

Sem eletricidade somos nós a noite. 
Ouvimos a Mayra Andrade ao longe, 
a lua cheia por cima do mundo, 
eu disse-te que as pessoas que pagaram o
bilhete ficaram de costas para o clarão lunar, 
chamaste-me romântico e sorriste. 
Cansámo-nos e dançámos tolos. 
Achámo-nos entre poemas entre palavras entre signos. 
Diz-me: é previsível o trajeto de uma pedra rolante? 
E de duas depois de colidir? 
A partir deste verso falarei enfim de amor. 

Fiquei preso ao álbum das polaroides. A corda aperta. 
Demos uma festa! Como se fosse ficar mais perto de amar
como se amar seja deixares que te olhem nos olhos sem tempo. 
Sem falar. Sem mexer um músculo. 
Ouvir a respiração apenas. Inquieta-te? 
Então foge, porque a seguir é ilusão. 
Demasiado preguiçoso. 
Ou medo demasiado de não acertar. 
Só sei não acertar e faço-o com precisão. 
Vivo para me vingar desde que cheguei, 
mas acerto em todos menos no alvo. 

O meu coração secou numa festa, em que
o mundo me convidou para dançar, 
batida a batida a náusea destilou febre e
vomitei sem fazer barulho. Na manhã seguinte
pus os óculos de sol novos: renasci. 
Fiz oitenta e nove anos há duas semanas. 
Nós durámos algumas horas. Lembras-te? 
Liguei-te no concerto dos Explosions in the sky. 
Quis que ouvisses a 'your hand in mine'. 
Disseste-me que havia demasiada interferência do mundo e
não percebeste nada. Esperaste que eu chegasse
a casa no fundo da madrugada e amanhecemos. 

Agora vivo para sobreviver. 
A taxa de sobrevivência cai. 
Decai até zero. 
Publicar fotografias com crianças africanas para
aliviar a neurose de que sou o responsável pelo
impercetível processo de sedimentação ou
entupimento da vida toda? 
Ir ao grogue a vinte escudos na vendedora da Praça? 
Vejo-os todos os dias a falar para
varandas sem gente dentro. 
A senhora deve dormir de dia. 

Eu? Eu falo para mim sem eu estar. 
Tu também, mas concordámos não falar disso. 
Amanhã esqueceremos. Estás aí? Atrás da porta? 
Vem. O mundo é enorme. E o teu lugar está garantido porque
quando morreres o tempo vai parar. Por ti. Só por ti. 
Quando mais precisaram de mim não estive por falta de habilidade. 
Achava que sim, mas tive uma
arritmia a um milésimo de segundo de abrir o coração. 
Há muito barulho na cave. E sempre o esforço para sair. 
Partir? Ficar? Se fossem embora eu ficaria radiante. 
E cheio de medo. Sou sempre estrangeiro. 
'É melhor ser esbofeteado com a verdade do que
ser beijado com uma mentira', diz um provérbio russo. 
Não me falaste dele nem do que significa. 
Continuas sem falar e convenço-me de que me resta a redenção. 

Não compres um espelho para a casa ou
verás como te coseram a boca. E que nada se aproxime de ti, 
debaixo da linha aguda das manhãs. Continuarão ao teu lado
por serem demasiado cuidadosos
por ilusão
por fatalidade. 
A desilusão? Perder nuvens pelo caminho, 
ver o sol uma vez por festa, 
o traço fino a deslizar do céu ao nada, 
as paredes concêntricas de que foges. 
Que não te reste fechar a persiana sem fresta. 
Precisamos da ilusão a três centímetros de cortar a meta. 

Dizer a verdade é apocalítico. 
Há mundo novo a suceder? 
'Mundo novo' é Mindelo, disse um acidental mindelense. 
Vem para cá. Tens o estômago farto da verdade nas solas dos europeus? 
Como a pedra no sapato, a ferida de canela, a caspa nos colarinhos de Bruxelas. 'Transmitir os
valores da Europa ao mundo'! 
Como será receber o mundo em território europeu? 
Devia ter tirado a fotografia com os embaixadores. 
Fiquei sem provas sem cara. Ainda me aceitam? 
A partir de hoje publico todos os dias na minha
página de facebook para que acreditem. 
Ei, não me viste na televisão este natal? 

É isso: pensar e construir uma história, 
treinar o discurso até parecer nosso. 
Que mais importa? 
Escolher as palavras certas e acreditar nelas como
os que vão à igreja aos domingos. 
É preciso acentuar as que dão prestígio! 
Terei então confiança para entrar na conversa. 
Uma palavra em falso e caio no vazio, por isso seduzo. 
E se não atingir o objetivo digo o que vier à cabeça
como se fosse a última grande verdade de
um tempo sem a medida exata da constância. 
Depois é só apontar aos pontos fracos. 
Estar pronto para premir o gatilho. 
O importante é controlar! 
Sou demasiado benévolo para o mundo. 
As pessoas são as verdadeiras culpadas por
todo o mal que causei e que possa vir a causar. 
Vítima simples que não sabe
de que alambique verteu este sangue. 

Ao escorrer na cara o sangue faz cócegas. 
E às vezes só nos apercebemos quando tocamos. 
Pode ser a ferida viva. 
Pode ser o ressalto do crime. 
Podes ser tu a confundires-te comigo.

Para uma boa intolerância

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O mote para este texto (demasiado e insuficientemente longo) foi dado, à maneira de um murro no estômago, pelo recente atentado terrorista de Barcelona. Os abdominais do hábito fizeram o seu trabalho e já se pode respirar depois do soco, mas ainda dói, dói muito. E depois, começo a cansar-me do eterno retorno das encenações de luto dolente: choros e orações ecuménicas, flores, peluches, velas, minutos de silêncio, apelos à paz e à tolerância... Uma panaceia que tem algo de necessário e muito de inútil, ela conjura algum do sofrimento, mas não altera, numa vírgula que seja, a estratégia terrorista dos fanáticos religiosos, os futuros candidatos à jihad não serão, com certeza, convertidos ao peace and love através destas manifestações de pesar. Há até quem compare a tolerância ingénua que hoje temos pelo islamismo fanático com a desvalorização, pelos pacifistas de outrora, da emergência do nazismo alemão. Acontece que se alguém critica o islão, a sua escala de valores, o seu proselitismo, a sua vontade de domínio, o seu sexismo arcaico (a incrível menorização do feminino)... é imediatamente acusado de eurocentrismo, neo-colonialismo, islamofobia. O politicamente-correcto (substantivo-o) e o bem-pensante (do francês bien-pensance) está em ser multiculturalista, abandonando para isso, condição sine qua non, os princípios republicanos, liberais, libertários, igualitários... Se aceitarmos todas as linhas culturais, então temos de tolerar as sociedades onde o islamismo de Estado obriga o feminino a velar-se mais ou menos integralmente, onde a homossexualidade é punida severamente (é isso que faz, por exemplo, o Hamas; a talho de foice, na Faixa de Gaza houve pela primeira vez em 10 anos uma sessão de cinema, ainda assim propagandística), as manifestações artísticas e a imprensa suportam uma censura sistemática, as instituições de segurança interna são extraordinariamente repressivas, a laicidade é proibida ou radicalmente estigmatizada... Temos de aceitar que isso colonize o nosso horizonte cultural de tolerância, abertura, igualdade, democracia; veja-se o testemunho arrepiante deste director de uma escola pública de Marselha sobre a conquista islâmica do seu estabelecimento de ensino.

Neste ensaio vou defender que a condescendência das democracias liberais facilita a implantação do islamismo radical, irredutivelmente oposto à laicidade (ainda por assegurar, não o esqueçamos), liberdade individual, exercício crítico, isto é, inimigo da modernização moral e intelectual que o Ocidente iniciou no século XVIII e que agora, mais ou menos intensamente, é combatido pelas facções islamo-fascistas e seitas nacionalistas. As instituições democratas deixam prosperar os seus inimigos, os fanatismos religioso e ideológico não sentem muita resistência à sua mobilização social e armada; pondo em perigo a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (documento que alguns, em delírio intercultural, consideram neo-colonialistas). Custou-me bastante fazer esta opção teórica, tive de estabelecer compromissos com a minha auto-censura e reinterpretar o conceito de hospitalidade de Jacques Derrida. Neste caso, ficou claro que a sua hospitalidade incondicional, ou “pura” (“visitation”) vive no campo místico do messianismo sem Messias derridiano. É uma condição extra-política de exposição quase teológica à alteridade. A outra hospitalidade (“invitation”) é condicional, recebe-se o estrangeiro em função das regras que estão em vigor. Esta hospitalidade é política e preocupa-se com o bem ou o mal que o outro pode trazer. É este protocolo de abertura, controlado pelas instituições, a justiça, o Estado... mais do que por movimentos sociais conservadores, que proponho.

"Neste ensaio vou defender que a condescendência das democracias liberais facilita a implantação do islamismo radical, irredutivelmente oposto à laicidade (ainda por assegurar, não o esqueçamos), liberdade individual, exercício crítico, isto é, inimigo da modernização moral e intelectual que o Ocidente iniciou no século XVIII e que agora, mais ou menos intensamente, é combatido pelas facções islamo-fascistas e seitas nacionalistas."

Não há valores absolutos, foi isso que nos ensinou Nietzsche ao virar Platão de pernas para o ar. Tudo o que consideramos valioso tem uma genealogia, um percurso histórico que foi cimentando essa apreciação, e por isso a sua ontologia é acidental. Por um lado, a tolerância vive, pois, nesta condição, e é por isso que talvez devêssemos falar em tolerâncias, disposições multiformes para se consentir, numa determinada circunstância, um comportamento, lato sensu, que julgamos subjectivamente reprovável (se dissermos que toleramos o tolerável entramos no sem-sentido). Por outro lado, há qualquer coisa de fixo, objectivo na tolerância: justamente, só se pode tolerar algo que, mais ou menos intensamente, reprovamos. É isto que cria dificuldades, não apenas porque é difícil acolhermos o que parece inaceitável, como percebemos intuitivamente que a partir de um certo limiar de tolerância contribuímos para a destruição de uma escala de valores que queremos defender.

Recordo que os gregos antigos (recorro frequentemente a eles porque foram mais lúcidos do que nós) se concebiam inteiramente a partir da oposição entre civilização e selvajaria, a polis e a natureza não domesticada, antropologia política recente e seres monstruosos de épocas primitivas (míticas) ou estrangeiros distantes. A paideia, esse grande dispositivo, multi-dispositivo educativo, consistia, por um lado, em resgatar os indecisos do abismo da bestialidade e relembrar constantemente aos seres do território cultivado o seu compromisso com o modus vivendi político, afastando-se dos animais e dos bárbaros. Por outro lado, insistia em alertar para a fronteira transcendente, os humanos não se deviam confundir com os deuses. A vida na polis supunha a rejeição do abismo que chamava a cada instante pelos divergentes. É por isso que a tolerância não fazia parte da sua escala de valores (mas havia a “piedade”), ou se fazia era quase irrelevante. O intolerável, tudo o que estava fora das suas condições imanente e transcendente, mantinha-se como tal, definindo um limiar que impunha os piores castigos a quem a transpunha (Édipo, Antígona, Clitmenestra, Penteu, Prometeu... e até Sócrates). Claro que a transgressão (controlada, passe a contradição) é essencial à vitalidade de uma comunidade, e os heróis trágicos, apesar de punidos, foram muitas vezes secretamente louvados (Prometeu, Antígona...). Mas no essencial, durante séculos a civilização helénica protegeu-se na riqueza da sua cultura e pela exclusão da barbárie, isto é, daquilo que não estava humanizado, ou politizado, à sua maneira (sofisticada, eles inventaram o Ocidente).

Outra fonte matricial do pensamento ocidental, o cristianismo, teve, porém, uma linha de interpretação diferente: tolerar as pessoas diferentes porque nelas também habita Deus. É verdade que a prática inquisitorial (bem anterior à Santa Inquisição – o termo “Santa” sugere, aos incautos, inquirições infalíveis e bondosas) vasculhava os confins da consciência à procura de desvios, mas a finalidade era conjurá-los, tratar as torções inaceitáveis, não excluir (apesar da figura, pouco bíblica, da excomunhão). Claro que a vontade de inclusão cristã usou proselitismos violentos, impôs mais do que seduziu e acolheu (Santo Agostinho defendia que para endireitar um pau era preciso aproximá-lo do fogo). Claro que no tolerante se destaca a sobranceria do dominante, neste caso porque depois da sua marginalidade original, o cristianismo comandou a economia espiritual de grande parte do mundo durante séculos. Mas o princípio mantém-se, e é talvez por isso que intrinsecamente, sem contexto, a palavra tolerância é muito mais apreciada do que a sua antónima. Isto remonta ao momento em que a Europa, nos meados do século XVII, terminou as suas maiores guerras de religião. É sintomático que seja já no último quartel desse século que John Locke publica A Letter Concerning Toleration (originalmente escrito em latim), onde coloca a tolerância no centro nevrálgico do cristianismo (é esse o sentido evangélico), ao mesmo tempo que reflecte sobre os limites das prerrogativas do governo civil, defendendo a irredutibilidade da liberdade individual em relação a todas as formas de poder. Quase um século depois, Voltaire, um dos maiores críticos do fanatismo religioso, escreve Le Traité sur la Tolérance (com ressonâncias da epistola de Locke), onde, a partir de um caso real de sectarismo religioso, conduzindo à acusação, e morte, de inocentes (caso Calas), retoma e amplifica a bandeira da liberdade individual, sobretudo a do livre-pensamento, incluindo necessariamente a liberdade religiosa.

"é talvez por isso que intrinsecamente, sem contexto, a palavra tolerância é muito mais apreciada do que a sua antónima. Isto remonta ao momento em que a Europa, nos meados do século XVII, terminou as suas maiores guerras de religião. É sintomático que seja já no último quartel desse século que John Locke publica A Letter Concerning Toleration"

Mais tarde, os séculos XVIII e XIX fabricaram uma enorme dose de optimismo cultural (traduzido num culto acéfalo do progresso), permitindo as hipóteses mirabolantes de religiões civis capazes de criar comunidades sem facções, lugares onde, na ideia de Leibniz, as pessoas dialogariam a partir de mecanismos racionais tão eficientes que à semelhança da máquina de calcular haveria máquinas de dialogar, sabendo-se sempre quem tinha razão. Mas o idílio foi desbaratado pelas carnificinas mundiais da primeira metade do século XX. Aliviada essa fúria imensa (nunca totalmente domesticada), voltou-se a imaginar, capturando e divulgando ecos da modernidade lógica e técnica, um lugar sem fanatismo porque as democracias liberais ocidentais iam fertilizar qualquer canto do mundo. Engano. Os nacionalismos reavivaram-se, primeiro no mundo islâmico misturados com uma linha teológica reaccionária, depois um pouco por todo o lado, culminando nuns Estados Unidos ensimesmados, numa Inglaterra a construir um neo-império para dentro, numa Rússia a regressar ao estádio de auto-exclusão, com alguns países do antigo bloco soviético a imaginarem-se rodeados de inimigos... Regressou, pois, a velha estratégia identitária que julga ganhar tanto mais força inclusiva quanto excluir o que parece ameaçá-la, incapaz de integrar ou sequer dialogar com o diferente.

Na verdade, o princípio vital deste regresso estava apenas adormecido e era relativamente fácil imaginar a sua emergência. É simples ver que a dialéctica inclusão/exclusão existe sempre que há Estado ou religião. O Império Romano, tolerante em termos religiosos, não admitia nada que pudesse ameaçar a sua autoridade. Na Grécia antiga havia decretos que condenavam quem não reconhecesse a existência dos deuses (veja-se, entre outros, o processo de Sócrates). O judaísmo assenta numa intolerância dogmática, herdada pelo cristianismo (que se no início perdoava e acolhia as pessoas divergentes, nunca tolerou as heresias). O Islamismo é intransigentemente severo com os dissidentes, o crime de apostasia é ainda castigado com a pena de morte em muitos países. O hinduísmo, aparentemente mais acolhedor, também pôde inventar um fanatismo teo-nacionalista, projectado no Bharatiya Janata Party (partido no governo), culminando na eleição de Ram Nath Kovind, até os budistas birmaneses perseguem sistematicamente a minoria muçulmana rohingya. Do ponto de vista político, basta olhar para o neo-nacionalismo americano ou, entre muitos outros exemplos, a xenofobia em alguns países europeus do ex-bloco soviético.

Este caldeirão de bruxas produz perplexidades. Acreditava-se que a linha iluminista instauraria um reino de paz perpétua, baseada num racionalismo moral capaz de definir uma justiça humana que rivalizaria com a divina. Mas continuou-se a destilar poções obscurantistas, pretensamente capazes de saciar homeopaticamente a estupidez de milhões de humanos. Ora, como sabemos, a estupidez não combate a estupidez, amplifica-a. E hoje, em consequência, vive-se numa imbecil banalidade do terrorismo (aproprio-me, mutatis mutandis, do conceito de “banalidade do mal” de Hanna Arendt, destacando o carácter histórico, acidental do mal). Quando evocamos o espírito do tempo temos de referir o quase monopólio conquistado pelo islamismo radical. Ponto de ordem: para mim todos os ismos teológicos são igualmente nocivos, islamismo, judaísmo, cristianismo (actualmente um “ismo” bastante esbatido, mas capaz de voltar a extremar-se, por exemplo, nos movimentos evangélicos do continente americano ou no catolicismo conservador polaco), hinduísmo... mas oriento a minha crítica mais para o islamismo porque é sobretudo nele que nasce hoje o fanatismo niilista. É isso que Agnes Heller, a grande pensadora húngara, sobrevivente do holocausto e do imperialismo soviético, defende. Numa entrevista ao El Pais, encontra no islamismo radical uma ideologia totalitária, que a ingenuidade das democracias liberais (aquelas onde se vota, há instituições fortes e liberdade de pensamento) tolera porque acredita que todos partilham, ou virão a partilhar, a sua visão do mundo. O islamismo, claramente aquém do processo de separação de poderes que a Europa iniciou a partir do século XVII (John Locke insiste nisso), é, além disso, intrinsecamente expansivo, propõe-se construir um império espiritual e político esmagando os “infiéis”. Bem no tom do Antigo Testamento (relembre-se a sua origem abraâmica). Em Tristes tropiques (1955), Claude Lévi-Strauss assegurava já que o islão se “fundava menos na evidência de uma revelação do que na impotência para criar laços com o exterior.” Mas talvez tudo não passe de uma máscara desse poderoso e imortal sentimento de ressentimento de que falou Nietzsche (creio que Hegel, por outras vias, também o refere, embora em contraluz, ao pôr o motor da história a carburar com a energia do reconhecimento, ferramenta ontológica e axiológica, veja-se o caso da dialéctica “senhor/escravo”).

"O islamismo, claramente aquém do processo de separação de poderes que a Europa iniciou a partir do século XVII (John Locke insiste nisso), é, além disso, intrinsecamente expansivo, propõe-se construir um império espiritual e político esmagando os “infiéis”. Bem no tom do Antigo Testamento (relembre-se a sua origem abraâmica). Em Tristes tropiques (1955), Claude Lévi-Strauss assegurava já que o islão se “fundava menos na evidência de uma revelação do que na impotência para criar laços com o exterior.”  [...] acumulam-se nos indivíduos mais insatisfações defensivas e ofensivas, amplificadas até ao limiar dos actos de expressão possíveis, que não podem ser conjuradas pelas produções culturais de massas ou reconciliadas pelas terapias individuais."

Nietzsche trabalhou sobre a categoria do ressentimento em Para a Genealogia da Moral (1887), inspirado, tudo o indica, pela leitura de uma versão francesa dos Cadernos do Subterrâneo de Dostoiévski. Com ela acrescentava alcance e rigor filosóficos ao seu anterior “espírito de vingança”, querendo sobretudo revelar, e denunciar, uma disposição impregnada de exaltação moral, um sentimento negativo constituído por ambição e ódio, incapaz de se exteriorizar afirmativamente, vivendo assim num processo de auto-envenenamento até ao momento da detonação, isto é, da libertação violenta contra um exterior malévolo. Ainda sobre esta disposição, moral e psicológica, Peter Sloterdijk realça que as democracias liberais são incapazes de pôr em prática os seus ideais de riqueza e prestígio para todos, alimentando o ressentimento de uma parcela cada vez maior da população. No seu último livro, Die schrecklichen Kinder der Neuzeit (Après nous le déluge, na tradução francesa), mostra como se libertam muito mais desejo e sonhos do que os que se podem integrar pela distribuição dos bens e das possibilidades vitais. Por isso, acumulam-se nos indivíduos mais insatisfações defensivas e ofensivas, amplificadas até ao limiar dos actos de expressão possíveis, que não podem ser conjuradas pelas produções culturais de massas ou reconciliadas pelas terapias individuais.

Escreveu-se muito, é verdade, sobre a boa integração dos terroristas de Barcelona: eram bons alunos, tinham famílias estáveis, não sentiam dificuldades económicas ou laborais, demonstravam ambições hedonistas... No entanto, um artigo no El Pais desmente numa frase esse olhar superficial. Rashid, primo de dois dos terroristas, disse ao jornalista: “sim, criamo-nos aqui e não temos problemas de convivência, mas somos, e seremos sempre, mouros. Na escola éramos os mouros e as raparigas não queriam sair connosco. E os adultos crêem que vendemos haxixe.” Ora, parece-me que devemos seguir este filão hermenêutico, só ele, associado à enorme capacidade de persuasão do imã que os doutrinou, permite compreender a loucura do atentado de Barcelona. Pode estar aqui o ressentimento de que falei acima, motor pérfido da civilização dos “últimos homens”. Os terroristas foram contaminados por um sentimento de frustração que só encontrou saída numa redenção mortífera (a ditadura do “pensamento positivo” bloqueou a reflexão sobre a naturalidade, e importância, dos sentimentos negativos, ampliando a ignorância sobre essas pulsões; leia-se Smile or Die, de Barbara Ehrenreich). Há sempre, e desde sempre, erros profundos nas categorias emocionais que habitam quem se julga, ou é julgado, estrangeiro. E isso pode ser sublimado num processo de vingança, tanto mais eficaz quanto se for capaz de acreditar, em auto-hipnose, que uma acção terrorista conduz à beatitude. A hipertrofia moral e a sensação de desprezo geram a embriaguez do impossível. Lévi-Strauss viu claro quando acusou o islão (a forma mais evoluída, mas não a melhor, do pensamento religioso) de avançar com soluções simplistas para superar as suas contradições, por exemplo: se há preocupações com preservação da virtude de mulheres e filhas enquanto os homens estão em campanha militar, então obrigam-se a velar o corpo. (cf. Tristes tropiques).

"à intolerância moral e religiosa dos fanáticos, dos fundamentalistas devemos responder com os mecanismos do Estado de Direito, com uma repressão legal, e não com uma forma inversa, ainda que mais subtil, de intolerância cultural (numa espécie de choque de civilizações)"

Perante isto, a palavra de ordem mais repetida na Europa é a de que “resistiremos a quem quer destruir o nosso estilo de vida”. Bem, em primeiro lugar era preciso definir esse “estilo de vida”, que na propaganda contraterrorista parece tão evidente, fixo, próprio ao Ocidente. Na verdade, existem múltiplos estilo de vida, insubsumíveis no simples conceito de democracia liberal. Vivemos em diversidade, e ainda bem, por isso a nossa resistência ao terrorismo deve passar antes por uma intransigência jurídica e policial (política, no fundo) em relação às contra-culturas do terror. Isto é, à intolerância moral e religiosa dos fanáticos, dos fundamentalistas devemos responder com os mecanismos do Estado de Direito, com uma repressão legal, e não com uma forma inversa, ainda que mais subtil, de intolerância cultural (numa espécie de choque de civilizações). Se o problema actual está no islamismo radical, façam-se leis que proíbam a sua prática, que evitem a circulação dos seus membros, que cortem as linhas de comunicação prosélitas, que acabem com os centros educativos para terroristas. Mas também, continuando no politicamente incorrecto (contrário ao mecanismo da boa-consciência tóxica, brilhantemente analisada por Nietzsche), controlar a imigração (na verdade, é isso que fazemos já, embora privilegiemos o critério do dinheiro – “vistos gold” – em vez dos culturais e judiciais). Todas as partes do meu corpo e da minha mente são anti-nacionalistas, a última coisa que defenderei é a transcendência da nação, esse mito serviu sempre interesses pérfidos, a única coisa que neste campo me interessa é o indivíduo. Mas como ele não existe isoladamente, protejam-se também as comunidades livres, tendencialmente igualitárias, gentis, solidárias... O sinal mais actual da decadência ocidental é o seu sentimento de culpa, acha-se culpado de quase todo o mal do mundo (creio que reavivando, num sentido laico, a ideia de pecado original), o de hoje e o de ontem (querem, por exemplo, que sintamos culpa pelo tráfico de escravos de há 500 anos, querem que sintamos culpa pela discriminação social dos brancos, por haver em África más práticas governativas crónicas, por na América Latina as desigualdades económicas e sociais serem arrepiantes, por os terroristas odiarem a nossa pobreza espiritual...). E este sentimento, um auto-ressentimento, instaura impasses, preocupações pletóricas, hesitações paralisantes... enquanto meia dúzia de loucos espirituais lançam carros contra desconhecidos, esperando matar o maior número possível (uma competição fúnebre). Neste estádio de radicalismo não há tolerância, moral ou cultural, que consiga vingar. Leve-se, pois, às últimas consequências a ideia de Estado de Direito e cumpram-se os horizontes de inteligibilidade dos Direitos Humanos, nomeadamente os inalienáveis direitos à igualdade, à vida e à liberdade. Se são estes direitos que o islão fanático repudia, então não o podemos tolerar, devemos ser, pelo contrário, jurídica e policialmente intolerantes, demolir todas as suas formas de colonização, ainda na condição larvar, se possível. O Ocidente deve continuar a afirmar-se para lá das transcendências teológicas ou das religiões laicas dos Estados totalitários. Noutra frente, é preciso continuar a alimentar o projecto da autonomia individual e do pensamento crítico. Os imigrantes, cuja vinda não será estancada, devem, por seu lado, abandonar a pretensão de fazer entrar novamente o religioso no político. Em vez de usarmos, repito-o, o critério discriminatório do poder económico, recebamos, passe o cliché, apenas “quem vier por bem”.