«ben zakhai»

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de Teatro de Rua, Tatiana Faia, do lado esquerdo, Coimbra, 2013.

três da manhã em budapeste
no piso subterrâneo de um hotel
um homem e uma mulher
deixam-se ir ficando para a privacidade
suburbana de um parque de estacionamento 

dentro do carro conversam
como quem joga xadrez
sacrificando peça após peça
com uma atenção metódica
indício talvez de um punhado
de critérios mais sábios 

eles lembram-te de outra história de rabis
ben zakhai negociou habilmente sobre jerusalém
preparou em desespero o render da cidade
ele e o imperador tinham conversas de planos
entretiveram com tacto grave
discussões de sucessivas estratégias 

mas por enigmas desencontrados
cada um deles reclamava ainda outra coisa 
quetudo a perder mais vale
querer cada vez mais, imagina que 

ben zakhai talvez tenha dito a vespasiano
uma destruição esconde sempre
outra destruição e a destruição seguinte outra
até não sobrar nenhuma casa
tu daqui vais para roma e eu sabe deus 

e não há-de haver já nada
dentro de nenhuma das casas nesta cidade
contidas como soldados demasiado jovens
escondendo-se ao perceber o primeiro dever do medo,
o de se enterrarem no refúgio circular das muralhas 

nada das coisas que compõem uma cidade
o nosso comércio o discreto barulho
das nossas mulheres no seu ir e vir
coisa calada de com os filhos pelas mãos 

as intactas paredes das nossas casas
o recolhimento sossegado pela tarde
da sombra dos nossos pátios mais interiores
o sussurrar na fala grave de homens
entretidos em conversas de negócios
nada, não há aqui metáfora nenhuma 

começando por uma coisa qualquer
é possível
se assim quiseres
continuar a partir tudo indefinidamente
tudo pode ser minuciosamente destruído 

contra esta mais espessa noite
a ideia de um nó tão fundo que só isso explique
uma cidade inteira calcinada
para que a mesma cidade possa recomeçar

*

O livro será apresentado no próximo sábado, dia 30, pelas 18:00, na  Fyodor Books. Apresentação da exclusiva responsabilidade do duo Barros/Faia.