All is lost

Robert Redford é um velho que nunca foi actor, um homem belo pejado de rugas ou de sinais que atestam que ninguém foge da inescapável ceifeira. Redford não tem nome, nem história. O seu passado é interpretado a partir dos vincos na pele e dos cabelos brancos que só tornam talentoso aquele que ao longo da sua carreira escassos dotes artísticos revelou. All is lost (2013), de J.C. Chandor, é uma fotografia em movimento, o retrato de um ser inexpressivo e ao mesmo tempo cheio de expressões e carregado de histórias (a minha carne é o meu passado). Estamos perante um filme que ensina a sofrer como Séneca ensinou. Quem assiste ao filme sente que a criatura em luta contra o oceano batalha na verdade contra o barco que se afunda. Redford lê e adormece e vai-se afogando impávido. Nada surpreende se aceitarmos que a morte e a dor são vida e devem ser aceites com a mesma simplicidade com que se devora um bom repasto. Viver e saber ir morrendo. Tudo está perdido, tudo esteve perdido desde a nascença. O homem luta pela sobrevivência e quando pressente que não se salvará deita fogo ao que resta e atira-se para o fundo. Mergulha, enterra-se nas trevas. Mesmo esse mergulho faz parte da vida: atiramo-nos por vontade própria, estamos no fundo enquanto lá em cima o fogo reina, vemos o fogo e ainda não morremos, basta uma braçada e escapamos. Escapar de quê, se nos encontramos tão próximos da morte? Sempre estivemos mortos. A personagem interpretada por Robert Redford é Robert Redford, um homem, um idoso, nós, desgraçados e condenados a sofrer sem direito a estrebuchar. O que sabemos? Há uma carta, é com essa carta que se inicia o filme, mas poderia ser com essa carta que o filme acabava, poderia ser com essa carta que qualquer homem, não só aquele, se apresentava e despedia do mundo. 

13th of July, 4:50 pm. I’m sorry. I know that means little at this point. But I am. I tried. I think you could all agree that I tried. To be true. To be strong. To be kind. To love. To be right. But I wasn’t. And I know you knew this, in each of your ways. And I am sorry. All is lost here, except for soul and body. That is, what’s left of them. And a half day’s rations. It’s inexcusable, really. I know that now. How it could have taken that long to admit that, I’m not sure. But it did. I fought to the end. I am not sure what that is worth, but know that I did. I have always hoped for more for you all. I will miss you. I’m sorry.

Tentei ser isto e aquilo e falhei. Falhei, não existe outro modo de estar no mundo. Falhar e falhar.