INVERNO

Por aqui, em dias de inverno,
o frio é tão escasso que até se parece
uma destas mínimas canções de amor
que habitam o vento e desaparecem
quando ainda são transparência.

Após muito, ontem choveu.
Eu me preparava para a cama
e escutei o sussurro de passos
sobre o gramado do jardim.

Talvez, afinal, tenha sido mais
névoa do que garoa – a relva
amanheceu queimada de orvalho
e a tarde é de uma fria umidade
que se condensa no céu macio
de nuvens tão cinzas e baixas.

Os carros, regressando ao estacionamento,
lançam uma luz que atravessa a folhagem
das árvores compradas em lojas de departamento –
até então, pareciam-me palmeiras domesticadas
mas olhe, disse Ana, erguendo
uma pétala branca desfeita entre os seus dedos.