Nota de leitura (2) 

Os Bichos

Parece o movimento
de uma serpente, 
este caminho que percorro
todos os dias
ao encontro do cansaço. 
E nas bermas
gatos esventrados. 
E no centro, 
bem no centro, 
alguns cães pisados. 
Bichos que sem culpa
prefiro pensar adormecidos. 

Henrique Manuel Bento Fialho
Entre o dia e a noite há sempre um sol que se põe
Edição de Autor, 2000, p. 29.

De todos os poemas que já li de Henrique Manuel Bento Fialho, ficou-me este gravado na memória. Não sei se devido ao facto de muito andar na estrada. Se devido ao facto de o considerar um muito bom poema. Mas também é um facto que acredito que toda a poesia tem, em sim, a intenção de comunicar, mesmo que seja na sua incomunicabilidade (recordo, por exemplo, alguns poemas dadaístas). A questão da universalidade é, de novo (e segundo o meu ponto de vista), também aqui importante. Penso que a maior parte dos leitores que conduz, e mesmo aqueles que o não fazem, se conseguem identificar, ou até mesmo rever, no sujeito poético deste poema. O quotidiano é plasmado em cada um destes versos com uma simplicidade desarmante. E essa simplicidade não deixa de ser poética. E é tudo menos fácil, pois falar da morte, sem cair nos lugares-comuns habituais, não está ao alcance de todos.