Alguns sacos de água com seres que vieram da praia

(desenhos de Ana Abreu)

1.

 Está ali o mar, ninguém nos ensina
aprendemos  muito de repente
e muito devagar

Seguimos esquecidas instruções
recolher o que dá à praia
(assim se diz), o que fica
a morrer, entre a primeira
e a derradeira água

Vibrasse ainda num saco
de improvável transparência
e seria milagre (é o termo)
essa mesma e
remota ondulação

Um tudo nada mais tarde
o distraído fervor das etiquetas

 

 2.

O distraído fervor das etiquetas
destino sumário das coisas
suspensas e atadas

Nem sabemos se as hastes vivas
agitam o desespero
(flores da água) ou sequer
suspeitam de quanto jaz  
na rotação do mundo

Calaremos as ondas que batem
(assunto arrumado), são agora
trabalhos de inspiração e asfixia
deixar cegos os nós, as cataratas
como seixos que encham os olhos

Fosse esta memória
do mar a transparência

 

3.

 Do mar a transparência
que a água em si retém
recomeçada e turva

O que partiu revela
outras densidades
(memórias e antenas)
apura íntimas correntes
como se em tudo regressasse

Ou fica por colecções
de etiquetas e figuras
esperando matérias carcomidas
(da maresia os ossos pequeninos)
e haverá quem diga que

ninguém nos ensina
e está ali o mar