Preferir o Musgo
/Oito anos são tudo
e nada —
nas escadas do templo.
Das escadas do templo
já sem folhas
a árvore do céu.
O cair das oferendas
preces silenciosas
com gosto metálico.
Quase silenciosas
as preces —
chuva metálica.
Sobre o crepúsculo
outonal
pagode escarlate.
Silencioso o verde buda
à sombra
dos olhos.
Solitário o buda
acumula verdete
e eternidade.
Acabaram as oferendas
por fim
silêncio no templo.
Com o cu bem lavado
escrevo um haiku
ao lado de um buda.
Duas vezes olhar
à volta
e não acreditar.
O sake aquece
não interessa
irei bebê-lo.
Enquanto se espera
a enguia
sake e haikus.
Parecem gatos
a cair
as mãos do cozinheiro.
Se elas gritassem tanto
quando eu entro
como nos restaurantes aqui.
Trinta e oito em Tóquio
estranha-se menos
que aos dezoito no Porto.
Conseguir estar só
rodeado de milhões
eis a poesia.
Na melhor companhia
até que torne
na pior.
Com as pombas
do parque Yokoamicho
pequeno-almoço sob um ginkgo.
Tóquio
Que crocitam os corvos
do castelo de Nijo —
serão ecos?
Sobre o Kinkakuji
voa
um corvo.
Tão breve
como o fim daquele desejo —
Kinkakuji.
Belo e breve
o toque
do desejo.
Tão grande o desejo
rapidamente
sucumbe à beleza.
Memórias douradas
ecoarão agora
na distância semeada.
Que sentirá o sol
que toca
aquelas paredes douradas?
Um breve abraço
àquele loiro desejo —
olhar Kinkakuji.
Aquele monge
cujo desejo
o queimou.
Incendiar o desejo
dourado
que te queima.
Olhar o templo
ver o desejo
em estado puro.
Neste verde autocarro
ecoa ainda
o reflexo dourado.
Quase em silêncio
o rio Kamo
minha testemunha.
Iluminado pelo sol
o ancião
no velho comboio.
Que fome espelhará
a garça
no rio Kamo?
Seu nome
no sorriso —
Sakura.
Quem prepara o chá
é o florescer
da cerejeira.
Futon duro
sono leve —
chove em Quioto.
O grou espelha-se
no rio
não deve ter fome.
Há na beleza
uma certa
violência.
No comboio
as rápidas montanhas
parecem musgo.
Esta chuva estrangeira
traz-me de volta
à primeira casa.
Por todo lado
corvos e preces —
Santuário de Inari.
De um santuário
a um templo
contrastes silenciosos.
A saturação xintoísta
lavada
pelo budismo Zen.
À saída do jardim Zen
apanhar do chão
uma folha púrpura.
Ah a frescura
do musgo
do Ginkaku-ji.
Como uma verde geada
a frescura do musgo
em Ginkaku-ji.
Na cara gelada
a frescura
do musgo de Ginkaku-ji.
Há gostos
que não foram feitos
à medida.
A mão do homem
suavemente
em harmonia.
À sombra dos bambus
três vezes
sacudo a gaita.
Entre ouro
ou prata
escolho o musgo.
Duas bolas de cotão
do umbigo —
tenho vivido.
No ar outonal
de Arashiyama
castanhas assadas.
Soba e sake
o almoço
do caminhante.
De joelhos sobre a esteira
um gesto familiar
e longínquo.
Um dia de sol
tem a beleza da despedida —
cores de outono.
As montanhas em Arashiyama
vestem
a minha camisa de Outono.
Não é Carnaval
na pandemia endémica
tudo ainda mascarado.
Zen é aquele
jacto quente
no meu cu.
Deslumbrado ou perdido
o homem que come
gelado de macha.
A plenitude —
o estômago cheio
após longa caminhada.
Sol e cerveja em Novembro
num bar jamaicano
em Arashiyama.
Domingo ao sol de Arashiyama —
imaginar
o som da floresta de bambu.
Ao sol de Novembro
ler Bashô
em Arashiyama.
Na boca dos adolescentes
reconheço uma palavra —
Namban.
Pequenas folhas secas
que sem vento
se movem.
Apesar do sol
sobre o lago do palácio
cai granizo.
Esta lua de Quioto
irei levá-la
para casa.
Em Okochi Sanso
esqueces-te
da cidade.
O mais belo vermelho
sem lábios —
Outono em Okochi Sanso.
Em viagem
sinto-me
mais em casa.
À beira do rio
um grou —
chove.
Chamem-me viajante —
sonhar e caminhar
viver.
Não chores o verão
que acabou
tem mais cor o outono.
Tem mais cor o outono
que a primavera —
envelhecer.
Ao vivo
Quioto é mais belo
do que em sonhos.
Parece interminável
o varrer das folhas
até que o Inverno chega.
Parecem vassouros de giesta
com que varrem
as folhas em Quioto.
Chuva ao Sol
o cheiro da manhã
em Quioto.
Quem chegará primeiro
eu
ou o postal?
A caminho de bicicleta
a tenor
vai aquecendo a voz.
De joelhos sobre a esteira
reproduzo
três poemas de ontem.
Esperando o comboio
aproveito
o último sol de Quioto.
Uma nuvem desvia-se
para deixar o sol
iluminar o poema.
Só na hora de partir
a solidão
se pronuncia.
Duas meninas sozinhas
no comboio regional —
manhã de segunda-feira.
Por trás da nua arvorezinha
esconde-se
o imponente templo.
À distância
toda a memória
é uma só coisa.
Quito despede-se com Sol
contudo
parto como uma sombra.
Uma janela aberta
café e bolos de arroz
uma pessoa sentada.
Como o menino
também o velho poeta
contempla o comboio-bala.
Como um camelo
viajo carregado
e sedento.
Quioto
Tó
Quio
To.
No horizonte só Fuji
se vestiu
para o Inverno.
Nas montanhas
o arroz
torna-se chá.
Campos dourados
de arroz
em Novembro.
Vazia a caixa bento
agora dormita
no dedo uma promessa.
Quito-Tóquio
Regressa-se sempre
pela primeira vez —
ilusão da memória.
O lugar que levamos
é tão somente
nosso.
Depois de Quioto
Tóquio sente-se
como plástico.
Hoje não chove
no Santuário de Meiji —
ainda verdes as folhas.
Vê-se melhor
quando chove —
Santuário de Meiji.
Há oito anos chovia
e as folhas
já douradas caíam.
Mais uma vez
a memória pinta
o verde com dourado.
Olhando a Skytree
bebo sake
no terraço do hotel.
Quem diria
este silêncio
numa megacidade.
Acompanharam-me
seus jovens olhos
até ao último gole de vinho.
Lado a lado
ao sol
um pato e uma tartaruga.
Quase uma rocha
ao sol
tartaruga molhada.
Regressa a tartaruga
que ainda há pouco
mergulhou.
Como se Dezembro
não tardasse
chilreiam os pássaros.
Patos deitados
ao sol —
ninguém se senta.
Quando regressar
não serei mais
eu só.
Também uma garça
se veio juntar
à festa na ilha.
Tóquio
Novembro 2023 (Tóquio-Quioto-Tóquio)