PLANOS SEQUÊNCIA (The Creator)

Há diversos tipos de ANIMISMO e no cinema a referência a Jean Epstein, reelaborada em função de Deleuze (vd capítulo final de "O que é a Filosofia?", com Guattari), continua a ser fundamental. Trata-se não só de uma imanência viva que reune os diferentes reinos da natureza (humano, animal, vegetal) mas, e isso é importante, a própria matéria inanimada (coisas e seus artefactos, nomeadamente robots ou cyborgs). Transmedial - "o cinema não tem outra especificidade que não seja a de acolher certas imagens que não foram feitas para ele", escreveu, bem, Daney em 1976 -, o cinema poderia ser, pela sua passividade inteligente ("A inteligência das máquinas" é o título de uma obra de Epstein), a forma pregnante para receber, ser impressionado por essa pulsão vital. Não dizia Pasolini que o real era já um filme, um plano sequência infinito em curso? Carregar no botão da câmara, em certa medida, talvez não passe de uma forma de nos tentarmos  apossessar desse devir da matéria e formas que em grande medida nos escapa...
O que surprende no filme de Gareth Edwards(THE CREATOR), para lá -sim, e isso é importante - da sua inteligência política (ele filma os ataques do exército americano como se recriasse hoje o Vietnam), é o modo como faz da forma plástica, proteica do cinema (leia-se Eisentein sobre a liberdade, maleabilidade das formas na animação do Disney dos anos 30), algo cosubstancial com essa imanência generalizada do homem com as máquinas (aí, Gareth retoma e refunde "Inteligência Artificial" de Spielberg, "Blade Runner" de Riddley Scott e "Matrix", com o seu menino-buda, do/as Wachowski) mas também, e isso não é tão frequente com a natureza (animais, paisagem) que enquadra (e submete) toda a acção. Ao pacifismo mais ou menos budista da lição junta-se o activismo (de guerrilha) de uma concepção polimorfa e extática (no sentido etimológico do termo, algo que sai de si) do cinema.
Concluamos, assim, com o Epstein de "Le Cinéma vu de l'Etna" (1928): "Um dos principais poderes do cinema é o ser animista. No ecrã não há natureza morta. O cinema une todos os reinos da natureza num só, o de uma vida ampliada. Um espantoso panteísmo renasce no mundo e enche-o ao ponto deste poder explodir".
O cinema é esse dispositivo de detonação.