D. J. Enright, VELHO RECENSEADOR

Tradução de Hugo Pinto Santos

Tanto tempo recenseador, conseguia falar
com ar sensato sobre quase tudo,
das belas-letras ao controlo de natalidade,
do Tantra aos toltecas.

Eram as palavras que pensavam, pensou,
e uma palavra levava a outra.
Pensavam em súplicas ao cobrador de impostos,
em poemas e legados e testamentos.

Todo o conhecimento reside nas palavras,
e as palavras residem no dicionário.
Roubar-lhe o Oxford era roubar-lhe a alma.
Dormia com o dicionário de sinónimos debaixo da almofada.

Mas não dormia.
Pensava em palavras como sono, dormitar, sesta,
hibernação, estivação, cabecear, passar pelas brasas.


D. J. Enright

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Um Poeta

Tradução de Hugo Pinto Santos

Olhos atentos, assombrosa vigia,
Ou mentes perscrutadoras, negligencia,
Nem éditos prementes pra sorver e cear,
Nem róseo vinho em torno do qual jurar.

E não lhe interessa o elogio clamoroso,
Mercê do grande, do opulento, ou do formoso,
Nem subtis peregrinos de longe lugar,
Sedentos de saber a raiz do seu cismar.

Cedo ou tarde, porém, quando nos ocorreu
Que ele se descobriu do rugoso chapéu,
À tardinha, ao primeiro luzir estelar,
Abeirado da tumba, numa pausa, a expressar:

«Fosse qual fosse o sentido – triste ou ridente –,
Duas mulheres o enleiam, de espírito luzente»;
Queda-se e diz: se o dia exalar o seu estertor,
Ainda há-de ser suficiente esse louvor.

 

Thomas Hardy, The Complete Poems, Macmillan, 1982

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Selima Hill, «De Visita ao Zoo »

Tradução de Hugo Pinto Santos

As altas girafas nunca podem sentar-se. 
Chamam-se Valerie e Gwendoline. 
Eu sou o reticulado filho delas. 
Isto é a nossa areia e o nosso feno. 
Segue a nossa faixa doirada até à sagrada Tassília, 
loiras borboletas de cauda de andorinha, lebres, algum leite. 
 
És uma linda menina. Ele nunca vai saber 
que estás apaixonada por alguém e que não é por ele. 
 
Selima Hill, My Darling Camel, Chatto & Windus, 1988 

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Elizabeth Garrett, «Canção»

tradução de Hugo Pinto Santos

Já outros assim jazeram antes de nós —
lado a lado dormidos, brandura a brandura,
osso com osso — e sonharam que, nem pasto,
nem pedra, cresciam onde carne e figura assim se fundem.

Sob a ampulheta do céu, estendem-se os amantes,
Detritos contínuos, vogando fora do alcance do mundo,
juntos jazem, indiferentes ao contacto do sol,
aos grãos do tempo cuja lenta filtragem sob eles se dá.

Já outros assim jazeram antes de nós — 
lado a lado dormidos, cinzas a cinzas,
pó contra pó — e ainda sonham enquanto, infatigável,
a chuva enxuga as suas pedras; entre eles, apenas pasto.

Elizabeth Garrett, A Two Part Invention, Bloodaxe Books, 1999

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Peter Reading, Sem Título

tradução de Hugo Pinto Santos

autocarro 53 aproxima-se do término;
velho inglês, asseado e sartório,
enfarpelado num tweed Manx, cinzento de uma operação bem aparada:

Demasiadas coisas erradas, uma sugestão de Gibbon,
escolaridade e pão e roupa e maneiras,
o declínio da era, tristezas de Elgar;
demasiadas coisas erradas, coração podre e insónia,
úlcera e hipertiroidismo,
é concebível no espaço de uma vida o fim do mundo,
voo de pardal breve pelo pálio do festim.

 

Peter Reading, Evagatory, Chatto & Windus, 1992

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