Michael Symmons Roberts, Telex

tradução de Hugo Pinto Santos

Há noites de um calor africano, aqui.
Esta é uma delas. Tão quente que não conseguimos um gesto,
e ouvimos hélices enormes
às voltas sobre nós, as revoluções
que fazem, tão constantes que nos apetecia que a electricidade
tivesse dias bons e dias maus.

Os estores suspensos,
pálpebras que deixam cair faixas
em cima do chão, formam bandas de luz,
de poeira, por todo o quarto.
E nele podem cair aprisionados
insectos e até mesmo pássaros.

Lá fora, a rua estende-se a direito por uma milha,
sublinhada pela escura frontaria de casas
como esta. Finge continuar,
depois termina numa vedação
e num terreiro. Canal e carris
dali para fora.

Com este calor
gosto de ouvir as tuas memórias do Egipto,
tardes tão quentes que havia
que ficar no chão, junto ao rádio.

E mesmo aqui uma secretária
da tua fábrica na floresta almoçava
ao sol e mandava um telex
a Deus quando voltava.

 

Michael Symmons Roberts, Soft Keys, Jonathan Cape, 1993

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Michael Symmons Roberts, Pelame

Tradução de Hugo Pinto Santos

Encontrei o pelame do mundo
pregado a uma galeria de imagens
no cubículo de um hotel reles.

É, então, por isso que os rios secam até à crosta,
por isso a erva chora a cada madrugada,
por isso o vento é cru,

a terra, uma ferida aberta,
e aqui se pendura a sua dor,
como um troféu, atrofiado para lá

de qualquer taxidermia, resumido a um tapete de lareira.
Quem o tosquiou?
Não há registo no livro de hóspedes.

Ninguém pagou, limitaram-se a embainhar a lâmina
e seguir, deixando atrás a cama
intocada, a televisão que se satisfazia a si mesma.

Talvez não houvesse faca nenhuma.
Talvez o mundo abandone a cada ano
um abrigo para que outro cresça no seu lugar.

A pele era espessa como a de uma rena,
e tão negra que emitia reflexos de azul.
Experimentei-a, é claro, mas não.


Michael Symmons Roberts, Corpus, Jonathan Cape, 2004

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Michael Symmons Roberts, «Mapear o Genoma»

Tradução de Hugo Pinto Santos

O geneticista no lugar do condutor desce o gene, 
código introduzido, digamos, um descapotável, 
e fica-se à espera de curvas, 

verdadeiros testes aos pneus em apertadas 
passagens de montanha, mas em vez disso 
sempre em frente, na auto-estrada, como na pista, 

espiral desensarilhada como uma paisagem,  
um ponto de fuga. Mantém em baixo 
o pé. É um deserto finito. 

Vais depressa de mais para o ler, 
a ordem dos rochedos, os cactos, 
ervas na berma, uma névoa para ti.  

A cada hora passas pela barraca 
que passa por motel aqui:  
aprumados quartos difusos onde a televisão se liga 

para fazer companhia, o dono mede às passadas 
o parque de estacionamento deserto. E depois 
de cada motel esbarra-se numa tempestade de areia 

espessa como o nevoeiro, mas agonia. 
Restam algures despojos 
da noss evolução, genes da forma 

de voar rumo ao sul, pressentir a tormenta, 
caçar pela noite, como couraçar 
a pele numa pelagem rija, em escamas. 

São milhas de um código morto. 
Todo o deserto o tem. 
A tua missão é descobrir 

porque ainda se detém o coração humano 
quando os mergulhadores fendem as águas, 
porque nadam ainda sereias nos nossos sonhos.

Michael Symmons Roberts, Corpus, Jonathan Cape, 2004

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Michael Symmons Roberts, Jairo

Tradução de Hugo Pinto Santos

Então, Deus leva a tua filha pela mão 
e arranca-a do leito de morte. 
E diz: «Dá-lhe de comer, está esfaimada.» 
 
Dás-lhe frutos com exteriores espessos  
– romã, meloa – 
comida dotada de peso, que a mantenha aqui. 
 
Esperas que, se ela comer o suficiente, 
a luz e o pó e o amor 
que tecem a matriz do seu corpo  
 
não se desfiem, nem fiquem tão puídos  
que o sol da manhã a trespasse, 
sem qualquer sombra, completa. 
 
De alguma forma, esta reanimação 
cortou cerce o medo da morte 
o choque da presença. Dá-lhe a comer 

o cordeiro, ovos, pão ázimo: 
põe de lado as ervas, ela tem um doloroso 
jejum a quebrar. Senta-te junto a ela, 

aparta-lhe as peles para que ela possa engolir, 
e repara como a alvorada  
desperta cores no seu rosto recentemente beijado. 

Michael Symmons RobertsCorpus, Jonathan Cape, 2004 

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