O amor nem sempre é uma palavra despida de tudo

Os teus dedos acesos pousados sobre a mesa
lembram-me a calma com que me tiras as botas
quando volto do trabalho sob a chuva

A casa ferve da pureza das tuas mãos
há pão sobre a mesa, os meus filhos correm no quintal
tudo aqui guarda o segredo dos teus dedos
da tua voz levantada como o fogo
que aquece o interior dos templos

Dizes que é tarde e fechas a porta
e lá fora tudo se reveste de uma pele secreta
que poderias tocar

Mas é sobre o meu corpo que
inclinada como as árvores ancoradas à terra
te estendes

Fukao Sumako, “A Casa Iluminada”

Hiroshige, Evening view of a temple in the hills

Hiroshige, Evening view of a temple in the hills

Tradução: Bruno M. Silva

É uma casa iluminada;
nenhum quarto é sombrio.

É uma casa que se ergue alta
sobre os penhascos, aberta
como uma torre de vigia.

Quando a noite chega
eu ponho uma luz dentro,
uma luz maior do que o sol e a lua.

Pensa
em como o meu coração se sobressalta
quando os meus dedos trémulos
acendem um fósforo na noite.

Eu levanto os seios
e inspiro e expiro o som do amor
como a filha apaixonada de um faroleiro.

É uma casa iluminada.
Criarei nela
um mundo que nenhum homem conseguirá construir.

*

Bright House

It is a bright house;
not a single room is dim.

It is a house which rises high
on the cliffs, open
as a lookout tower.

When the night comes
I put a light in it,
a light larger than the sun and the moon.

Think
how my heart leaps
when my trembling fingers
strike a match in the evening.

I lift my breasts
and inhale and exhale the sound of love
like the passionate daughter of a lighthouse keeper.

It is a bright house.
I will create in it
a world no man can ever build.

(Women Poets of Japan, tradução Kenneth Rexroth e Ikuko Atsumi, New Directions Books)

A Noite

Marc Chagall, 'Maries au village' (Opera Gallery)

Marc Chagall, 'Maries au village' (Opera Gallery)


A noite escondeu o meu corpo
a minha mão sobre o teu peito
o teu nome na minha boca

A noite escondeu os meus ossos
o movimento
exacto das nossas coxas
apagou a nossa rota, a travessia
o catálogo das nossas naus

A noite fez de nós um caminho escuro
um poço sem ecos e sem baldes

Mas foi tarde, sobre a nossa carne
abria-se uma flor insondável
e o amor estava já cumprido

Os Cobardes

La belleza no es un lugar donde van a parar los cobardes.
Antonio Gamoneda


Talvez venhas a morrer perto
violentado pela luz, pelo assombro
de uma vida pensada junto ao fogo
mas de onde nunca trouxeste nada 

A vida é tanto mais pesada
se te não fere a violência de um deus
se regressas da solidão com o mesmo porte
com as mãos abertas e laceradas

como praças descobertas para a morte

"Poema" de Frank O'Hara

schifano-with-art.jpg

Poema

Luz claridade salada de abacate de manhã

depois de todas as coisas terríveis que faço quão maravilhoso é

encontrar perdão e amor, nem sequer perdão

já que o que está feito está feito e perdão não é amor

e já que amor é amor nada pode dar errado

embora as coisas possam tornar-se irritantes aborrecidas e prescindíveis

(na imaginação) mas nunca de verdade para o amor

embora a um quarteirão de distância te sintas longínquo a simples presença

muda tudo como um químico entornado num papel

e todos os pensamentos desaparecem num estranho e calmo entusiasmo,

Eu não estou certo de nada para além disto, intensificado pela respiração

*

Poem

Light clarity avocado salad in the morning

after all the terrible things I do how amazing it is

to find forgiveness and love, not even forgiveness

since what is done is done and forgiveness isn’t love

and love is love nothing can ever go wrong

though things can get irritating boring and dispensable

(in the imagination) but not really for love

though a block away you feel distant the mere presence

changes everything like a chemical dropped on a paper

and all thoughts disappear in a strange quiet excitement

I am sure of nothing but this, intensified by breathing