Mark Leech, Desafectação

Tradução de Hugo Pinto Santos

Lá fora, pulsam táxis,
esferas inchadas batem
janelas encharcadas; o ar quente do bar
expulsa uma canção e põe-na a tocar,
menos poeirenta do que devia.

O tipógrafo faz uma pausa
depois coloca-te nos dentes
de um sorriso de lábios e olhos
antes que a imagem se dissolva
se torne inexpressiva.

Mark Leech, Orbis n.º132 – Primavera, 2005

Read More

Bernarda

Nunca caen los rayos

donde la tormenta suena.

 

Tierra de un tiempo maldito

sin mar de olas vanas

ni soledades de acacia.

¿Quién te espera agazapado

en el río? El augurio.

 

Burros, cabras, caballos y zarzas.

León en Judea, lirio en España.

 

A nadie importan

tus lamentos escondidos,

Bernarda de raíces enterradas,

Bernarda telúrica,

fruto de la constancia.

 

Tierra que te apagas

con tu pueblo escondido:

Saturno devora siempre

a sus mejores hijos.

 

Tierra velada al infinito.

Quién pudiera prenderte

de noche grillos.

 

León en Judea, lirio en España,

Bernarda dispone el mundo

como hicieran sus entrañas.

 

Lavandera de tronío,

hierro puro y limpio,

quién pudiera dibujarte

de amores prohibidos.

 

León de Judea.

Lirio de España.

 

Notas de um suicida

Vivo no vigésimo nono andar da consciência. Sou 100% século XXI. O medo é minha dama  holográfica de companhia. Nada, nem a mais mínima acção, tem um enredo linear. As artérias do conhecimento estão entupidas. A menina que passeia o seu cãozinho pelo parque manipula conteúdo emocional de alta voltagem. Que posso eu? O meu nome não é sereno. Chamai-me o que vos aprouver. O final gratificante do dia dirige-se a grande velocidade contra mim. O pior foi quando comecei a visualizar o tempo e a desmontar os dogmas da extinção. O coração era feito de lírica. A noite passada sonhei com Carolee Schneemann. Tenho feito da minha vida uma performance recorrente. Um rito minimalista. Uma soirée dominical. O vento sopra-me instruções criminais. Não me deixo apiedar pela morte da presença. Mas a espontaneidade fugiu. É preciso pensar: abrir a janela. É preciso pensar: debruçar da janela. É preciso pensar: atirar-me e cair.

MY BACK HURTS

to Alexander the Great,
whom I would nurse forever


My back hurts when I bend the sun.
Because I carry your stiff
and proper head with no pats.

Someone mentioned love, a riot
a blueness, a pig head but my song
son, it is a song with no offense.

And I

With the events of its kind
(I believe they are all set)

I your mamma
out with cigarettes
filled with caress

Sail your head on my stoat red lap
steady please with giddiness and I
do it at last. Your head, my lap
tripping fingers on your strap and I
do it fast with cutter hands.

But then I believe no nothing serves well
no one is lipping so heavily this debt
as you swell, so I tremble and its immense.

And I

I just want a portion of petty things
to shut me down on a bedroom hall
or a coffee. I say black and there it is
I say black and there he is clothing
the one thing that can be clad.

And I your sis’
victress on my dress
I mean if you’re aware

I have learned nothing but your head
your bare head with no spring coming in.

But then again a punnet of regret
because no nothing is tied, sir
no nothing at all, as you said.
But my hands, sir, my legs
why do they lie within a stuck foil?

(So that begins what I have said.)

And I
face down
I am

The sorority of little things coming
from hand to hand crowning my heir
forever and ever again and again
for the slip of others to pour and declare
word by word mouth to mouth
love and bleach at your despair.

And I

I just want the hole site of the hole
where it deepens as I sit and go
with everything to the very end of it all.
Let me convince you how extraordinaire
I shed, you gulp. I nick, you go.

And I
I guess

I Just want you on my favourite bed
trite sheets with gloves as well
and the milky swannery for the rest.
Milk to the swans, do you understand?
As we loop as we pause as we look at it close.

hmm hmm hmm, hmm hmm hmm
this gothic love song

As my back hurts so and so.
As your head comes as your head goes
rolling gently through my toes
against this winter of jaded coats.

Para uma geopoética europeia

Captura de ecrã 2014-10-3, às 19.58.19.png

Lugar de inspiração: Liberation, 2 de Outubro de 2014, e a brisa de fim de ciclo que regressa à Europa.

Reportagem sobre a exposição “Secession”, no instituto francês de Berlin. Objectivo: explorar novas cartografias europeias, menos geográfico-políticas, mais experimentalistas e espirituais.

Sabemos que o grande projecto colonialista e positivista europeu de século XIX desenhou mapas cada vez mais precisos, geometrizados, sobretudo em África (esse “continente ainda por civilizar”). Mas os mapas são muito mais do que reduções proporcionais e objectivas do mundo em imagens, eles resultam sempre de gestos culturais, construídos por saberes humanos datados, são, numa palavra, o produto das interpretações dominantes. Ora, em Berlin propõe-se descontruir esse statu quo, invertendo, ou subvertendo, as narrativas geográfico-políticas.

Das propostas da exposição, gosto da do escritor Camille de Toledo (comissário de “Secession”, juntamente com a historiadora Leyla Dakhli), centrada numa pan-tradução, comunidade poética europeia que viveria “entre-as-línguas”, como se a língua franca fosse a tradução, ou melhor, o espaço que se constitui no vaivém entre os idiomas. Camille quer uma alternativa à utopia literária de Goethe (o desenvolvimento do bom entendimento entre os povos através de uma literatura mundial) e à da MittelEuropa, Europa central do XIX/XX, que parece, mutatis mutandis, ressurgir (assente numa pluralidade das línguas e sistemas filosóficos, mitigada na cosmovisão comum acerca do valor dos conceitos e da sagração tecnológica). O que se procura em Berlin é reinscrever o espaço europeu num lugar de futuro (daí o utopos), “escapar à saturação memorial, ao assombramento do passado europeu” (feito de glória e de trágico). Acelerar um pouco a história (hoje parecemos medusados pelos notáveis feitos do Estado Social e da pujança económica pretéritas), reactivando o projecto crítico europeu (talvez o maior de todos os legados civilizacionais, haverá maior virtude do que investigar as ilusões?), voltar a ver claro nesta crise devastadora, estéril e já profundamente dogmatizada. Revogar a prevalência da face de Janus que olha imóvel para o passado (também o mau, ainda não totalmente redimido), apostar na que mira o futuro.

Mais afastada de qualquer compromisso, ainda no contexto da exposição, a 23 de Setembro, uma assembleia de artistas, filósofos, tradutores... propôs uma ficção colectiva, alimentada num movimento popular, que fizesse emergir o “povo fantasma”, capaz de exonerar as velhas instituições da Europa burocrática. Essa ficção seria o produto, sempre inacabado, dos palimpsestos das ficções nacionais, que depois de confrontadas e articuladas com o horizonte pós-nacionalista seriam exauridas da sua potência mitológica nacional, podendo finalmente alcançar um europeísmo feito do neo-povo fantasma, apátrida e sem deveres de adoração às velhas instituições,  símbolos e narrativas identitárias.

No fundo, pretende-se dar outro sentido ao projecto europeu através da ficção, reinterpretar o nosso continente a partir de “geografias errantes e polifónicas”.