A crónica da Philosophie Magazine de 30 de abril de 2024, escrita, e pensada, por Martin Legros, foi sobre a «polarização». Parece-me excelente. Traduzo-a para trazer um pouco de sentido aos que lutam, sem saber muito bem como, contra as engrenagens do niilismo, agnóstico ou militante, do «I would prefer not to» bartlebyano ao fanatismo desbragado do «basta querer!». Ambos são niilistas porque se esgotam na forma, não conseguem produzir, ou reter, nenhum conteúdo. Um pouco como a arte contemporânea. Um niilismo que preside à polarização, como é entendida por Bart Brandsma, quando sai dos eixos.
«“Não sou a favor nem contra a polarização. Sem ela, não haveria democracia nem civilização. Mas pode ficar fora de controlo...”, diz Bart Brandsma, que cunhou este conceito tão em voga. Nascido em 1967 nos Países Baixos, Brandsma tornou-se realizador de documentários depois de estudar filosofia na Universidade de Groningen (“o meu objetivo era usar o jornalismo para levar o poder e a beleza da filosofia à sociedade”). Começou a sua vida profissional na Dutch Muslim Broadcasting Corporation, onde era “o único não muçulmano” – um estatuto e uma experiência que o inspirariam a desenvolver o seu modelo teórico de “polarização” (Polarisation. Understanding the Dynamics of Us Versus Them, 2017). Em seguida, colocou-o à prova como “formador”, uma vez que era cada vez mais solicitado por pessoas envolvidas na vida pública – agentes da polícia encarregados de traçar “perfis étnicos”, professores sujeitos às dificuldades de integração [dos alunos], presidentes de câmara e até ministros confrontados com as divisões em relação ao terrorismo.
O que é a polarização? É uma divisão baseada na oposição entre “nós” e “eles”. Deve ser distinguida do conflito – e um dos erros fundamentais, de acordo com Brandsma, é acreditar que a polarização pode ser tratada com as velhas e conhecidas ferramentas de gestão de conflitos. Qual é a diferença? Um conflito envolve partes diretamente envolvidas e identificáveis do exterior – os “donos do problema”. “Quando uma briga começa a meio da noite num bar, há ‘donos do problema’ e, portanto, um conflito. Toda a gente com um olho negro ou um ferimento qualquer pode ser considerada envolvida”, escreve Brandsma. Enquanto na polarização os indivíduos têm a opção de se considerarem ou não envolvidos. “A escolha de participar é mesmo um momento crucial para os ‘atores’.” No rescaldo de um atentado do Daesh, por exemplo, os muçulmanos europeus são chamados a condenar esses atos, mesmo que não se considerem co-autores nem adversários. Ao mesmo tempo, outros posicionam-se como porta-vozes da civilização ou da liberdade.
Para caraterizar a polarização, Brandsma não hesita em formular três “leis fundamentais”. Primeira lei: a polarização é uma “construção mental”; a oposição entre “nós” e “eles” não é observável na realidade, é uma abstração, baseada essencialmente em identidades. Mesmo que se baseie em grupos reais (homens e mulheres, europeus e migrantes, defensores e opositores do laicismo, etc.), “o ponto de viragem para a polarização ocorre quando estas diferenças são acompanhadas por significados que são apresentados como típicos das identidades em questão”. Segunda lei: a polarização precisa constantemente de “combustível”. “Se deixarmos de a alimentar, ela definha. Diminui de intensidade e acaba por se extinguir”. Terceira lei: finalmente, a polarização é regida por uma “dinâmica emocional”. Isto explica por que razão a argumentação, factual ou racional, tem pouco efeito sobre ela. Quando os factos põem em causa a crença dos apoiantes de Trump na sua vitória, “continua a ser possível recorrer a teorias da conspiração”.
Mais interessante ainda é o facto de, ao formalizar o seu modelo, Brandsma desenvolver personagens conceptuais reais que não podem deixar de aparecer no cenário da polarização. Distingue cinco. Em primeiro lugar, o instigador [the puscher]: movido pela convicção moral de que tem razão e de que o outro está errado, resistente à moderação ou às nuances, fornece incansavelmente o combustível para cada nova polémica que surge. Depois, há o aderente [the joiner], que toma partido sem concordar com tudo o que o instigador diz: “Nem sempre concordo com ele, mas tem o mérito de pôr os pontos nos is”, diz para justificar a sua posição. Depois vem o grupo dos silenciosos, a maioria silenciosa que não toma partido, por vezes por razões profissionais (polícias, professores, juízes, presidentes de câmara, etc.), mas mais frequentemente por prudência, e que, para Brandsma, é o alvo principal do instigador – este último não procura convencer o seu adversário, ao contrário do que parece, mas influenciar a maioria e trazê-la para o seu lado. A lógica continua com o construtor de pontes, que tenta manter o diálogo entre os dois campos, salientando pontos de convergência ou propondo contra-narrativas. Por fim, o bode expiatório: quando as tensões aumentam e o risco de guerra civil se aproxima, qualquer pessoa que não pertença a um dos dois campos pode ser acusada e tornar-se alvo de ataques (polícias, professores, etc.).
Como desativar esta dinâmica infernal, perguntamo-nos, num universo mediático – o das redes sociais – expressamente concebido pelos seus operadores para fornecer o máximo de “combustível” de que a polarização necessita para se inflamar? A resposta de Brandsma não é moral ou mesmo política, mas intelectual, poder-se-ia dizer. “Para despolarizar”, defende, “é preciso compreender que não é preciso lutar contra os polos, mas sim reforçar o grupo silencioso do meio”. Dito de uma forma um pouco mais ofensiva, não será o mesmo que dizer ao partido das nuances e da moderação que deve encontrar uma saída para o silêncio no qual está confinado?»