Vejo o fim da humanidade e/ é às dezoito e quarenta e nove

Vejo o fim da humanidade e
é às dezoito e quarenta e nove
numa praia em Rodes

Não sei quanto tempo mais
vai durar a bateria
O fim é o de tudo
As três raparigas têm tempo
e rede ainda 
para postar uma última foto
crendo nos ocasos comidos
pela morte do tempo

No que vejo e em mim 
não há talvez já
sombra de humanidade

Um fio puído de verão
um vortíce denso de esfinges
talvez nos sobreviva
e o mar desse azul
mais do que a tua íris
a que compará-la?
que dizer dos que vão morrer

e plantada como uma campa 
no meio desse mar 
(como se pôde esquecer 
tão facilmente os náufragos?)
a prancha corroída italiana 
donde as crianças 
ainda vivas
no abismo futuro 
ou talvez não 
saltam

Um mapa da cidade

 Thom Gunn

Tradução de Tatiana Faia

 

Estou no cimo de uma colina e vejo
abaixo de mim um luminoso país onde revejo
que nele pelas duas tem o marinheiro ébrio de tecer;
a pausa transiente, o seu marinheiro desaparecer.  

Reparo, ao descer o olhar pela colina
em braços pousados numa janela de esquina;
E na teia de escadas de incêndio segundo as normas;
Move-se o possível, as cinzentas formas. 

Aí agarro a cidade, completa;
E cada forma de luz repleta
É minha, ou corresponde a minha,
Aquela intermitente aquela outra firme brilha. 

Este mapa é território do meu deleite.
Entre os limites, noite após noite,
Observo o avanço da doença que traz a morte,
Reconheço o meu amor da sorte. 

Vejo nas luzes recorrentes
Possibilidade sem limites,
O apinhado, estropiado e inacabado!
Por nada quereria esse risco mitigado.   


A MAP OF THE CITY

I stand upon a hill and see
A luminous country under me,
Through which at two the drunk sailor must weave;
The transient's pause, the sailor's leave.

I notice, looking down the hill,
Arms braced upon a window sill;
And on the web of fire escapes
Move the potential, the grey shapes.

I hold the city here, complete;
And every shape defined by light
Is mine, or corresponds to mine,
Some flickering or some steady shine.

This map is ground of my delight.
Between the limits, night by night,
I watch a malady's advance,
I recognize my love of chance.

By the recurrent lights I see
Endless potentiality,
The crowded, broken, and unfinished!
I would not have the risk diminished.

3 Fragmentos de Safo

45

ἆς θελετ᾿ ὔμμες

enquanto desejares

47

Ἔρος δ᾿ ἐτίναξέ μοι
φρένας, ὠς ἄνεμος κὰτ ὄρος δρύσιν ἐμπέτων.

E o amor varreu o meu
coração, como o vento na montanha desce sobre os carvalhos.

50

μὲν γὰρ κάλος ὄσσον ἴδην πέλεται ⟨καλος⟩,
ὀ δὲ κἄγαθος αὔτικα καὶ κάλος ἔσσεται.

é pois apenas belo de ver aquele que é <belo>
enquanto aquele que é bom de imediato será também belo

Escuridão

Thomas phillips, Byron em Traje Albanês, 1835 (retrato Original de 1813)

Byron escreveu “Escuridão” em Julho de 1816 nas margens do Lago Geneva, ao mesmo tempo que, no mesmo lugar, Mary Shelley escrevia a outra obra-prima da época, Frankenstein. Quando Byron escreveu este poema há um ano que não havia verão e a temperatura do planeta tinha descido 1 grau centígrado porque na primavera de 1815 o Monte Tambora, um vulcão na Indonésia, tinha tido uma violenta erupção, o que desencadeou fenómenos climáticos extremos por todo o planeta. O ano que a cinza levou a dissipar-se ficou conhecido como o ano sem verão. Mais de dez mil pessoas morreram na explosão, tão violenta que pulverizou de imediato cerca de um terço do monte, e cerca de trinta mil pessoas pereceram pelo mundo fora devido à fome que resultou da instabilidade climática. “Escuridão” é um poema assertivo e distópico sobre uma necessidade absoluta de solidariedade. Sobre a solidariedade enquanto civilização. É um poema que vai rejeitando e destruindo todos os símbolos a que as figuras que aparecem se tentam agarrar até chegar a essa revelação.


George Gordon, Lord Byron
Julho de 1816
Tradução de Tatiana Faia

Tive um sonho, que não era inteiramente um sonho.
Extinguiu-se o sol brilhante, e as estrelas
Vaguearam apagadas no espaço eterno,
Sem raios, sem caminho, e a terra gelada
Balouçou-se cega e enegreceu no ar sem lua;
A manhã veio e foi-se – e veio e não trouxe o dia,
E os homens esqueceram-se das paixões no horror
De tudo isto a sua desolação, e todos os corações
Gelaram numa egoísta prece por luz:
E viviam colados aos fogos da vigília – e os tronos,
Os palácios dos reis coroados – as cabanas
As possessões de todas as coisas de casa,
Foram queimadas para feixes de luz; cidades inteiras foram consumidas
E os homens reuniram-se em redor das suas casas em chamas
Para mais uma vez olharem os rostos uns dos outros;
Felizes aqueles que moravam perto do olho
Dos vulcões e na tocha das suas montanhas:
Uma esperança amedrontada era tudo o que o mundo continha;
Queimaram-se florestas – mas hora a hora
Caíam e extinguiam-se – e os troncos que estalavam
apagavam-se com estrondo – e tudo ficou negro.
As sobrancelhas dos homens à luz desesperada
Exibiam um aspecto sobrenatural como se em síncopes
Os clarões intermitentes se abatessem sobre eles; alguns deitaram-se
E taparam os olhos e choraram; e alguns repousaram
O queixo nas mãos cerradas, e sorriram;
E outros apressaram-se de cá para lá e alimentaram
As próprias pilhas funerárias com combustível e levantaram o olhar
Para o céu baço com um desassossego tresloucado,
Mortalha de um mundo passado, e de novo
Com maldições lançavam-se ao pó,
E rangiam os dentes e uivavam; os pássaros selvagens guinchavam
E, aterrorizados, palpitavam no chão
E batiam as asas inúteis, os brutos mais selvagens
Chegavam amansados e trémulos; e as víboras rastejaram
E entrelaçaram-se entre a multidão,
Sibilando mas sem ferrar – foram chacinadas para alimento,
E a guerra, que por um momento não houve,
Comeu à farta de novo: uma refeição comprava-se
Com sangue e cada um saciava-se taciturno e à distância
Empanturrando-se de tristeza: nenhum amor restava;
Toda a terra era um pensamento só – morte
Já e sem glória, e a dor
Da fome alimentou-se de todas as entranhas – os homens
Morriam e os seus ossos como a sua carne não tinham sepultura;
Os magros pelos magros eram devorados,
Até os cães atacavam os donos, menos um deles,
Que era fiel a um cadáver e mantinha
Pássaros e bestas e homens famintos à distância,
Até que se apoderava deles a fome ou os mortos caídos
Atraíam as suas parcas mandíbulas, ele não procurava comida,
Mas com um piedoso e perpétuo gemido,
E um rápido ganido desolado, lambendo a mão
Que com uma carícia já não respondia – morreu.
A multidão esfaimava-se aos poucos; mas dois
De uma cidade enorme sobreviveram
E eram inimigos: encontraram-se ao lado
Das brasas que se extinguiam a um altar
Onde estava amontoada uma pilha de coisas sagradas
Para uso profano; esquadrinharam
E a tremer amealharam com frias mãos esqueléticas
As débeis cinzas e a sua débil respiração
Fez-se sopro por um pouco de vida e gerou uma chama
Que era zombaria, ergueram
Os olhos enquanto se fez escassa e contemplaram
O aspecto um do outro – olharam, guincharam e morreram –
Até da mútua sordidez morreram,
Sem reconhecer quem era aquele sobre cuja sobrancelha
A Fome escrevera Pobre Diabo. O mundo ficou vazio,
O populoso e o poderoso fizeram-se pedaço,
Sem estação, sem erva, sem árvore, sem homem, sem vida –
Um pedaço de morte – um caos de duro barro.
Os rios, lagos e oceano todos ficaram imóveis,
E nada se agitava nas suas profundezas silenciosas;
Navios sem marinheiros apodreciam no mar
E os seus mastros caíam aos pedaços; enquanto caíam
Eles dormiam num abismo sem uma única vaga –
Tinham morrido as ondas; as correntes estavam no túmulo,
A lua, sua amante, expirara antes;
Os ventos mirraram no ar estagnado
E pereceram as nuvens; A Escuridão não tinha necessidade
De ajuda – Ela era o Universo.

Olimpíadas

Hoje acordei com o cheiro
da morte como uma nódoa
na omoplata ou seria uma planta
de floração tardia?
Um nevoeiro espesso cobre
a cidade escondendo-os
sentados em escritórios ou à borda
da cama eles e eu indignados
Ninguém diria que hoje
é o dia da grande festa
Pelo Sena em desfile
vão passar de todo
o mundo os corpos
dos atletas