4:40

comportamento errante
foi por isso que ele a deixou
comportamento errante
e hoje aqui estamos
4:40
num bar onde as casas de banho
se transformam numa espécie de
casa de fados em cocaína
eu só bebo
mas ainda assim
inegável
a beleza destes microclimas:
fados no wc espelhado
de um club onde só passam techno
o saxofonista de jazz
apanhado a dançar
diz que gosta
esta repetição em loop
de alguma forma
recorda-lhe coltrane
hoje vim aqui
à procura de alguém
que não estava
mas há o nietzsche, ele
escreveu qualquer coisa
sobre o desejo da
necessidade a necessidade
do desejo (demasiado tarde
para o citar em condições)

nos fados é obrigatório o desalento
e por isso a elaine dizia
98% dos dias não sei o que faço aqui
a sara dizia
a mim só me apetece chorar
e ela não falava da nostalgia do fado
de beber demasiado e tudo junto
referia-se sim a uma cicuta diária
essa espécie de vazio inconsequente
e por isso
interminável.
teimosamente fingindo
saber o meu lugar no mundo
ignorante de bençãos coroada de
amores sádicos mas tentando
recuperar as tropas
eu agarrava o copo e
explicava, ainda que
pisando armadilhas,
falhamos mas estamos aqui
falhamos mas olha para nós
tantos gatilhos
que nunca chegámos a apertar
isso só pode ser
uma vitória
uma meta
que nunca ninguém anunciou
quem eu queria
não apareceu
mas olha só
estou em casa sã
estou em casa salva
e afinal
não é o amor que resgata
sou eu
e o táxi que conseguiu aparecer
apesar da chuva torrencial

falta dizer
o que ninguém diz
destas mulheres
é que a solidão é o preço
a pagar pela resistência:
a errância
está no adn
como língua nativa
(será sempre a primeira resposta
e ligação neuronal)
às vezes seria mais fácil
aprender a brincar às donas de casa
ignorar o patriarca debaixo do tapete
e os anelares encontrados
debaixo da ponte
mas é mais difícil
matar um potro
que não foge em sentido único
e desse ponto de vista
o que nos mata
será também a única salvação.
sabes, o que não se diz
nunca sobre a errância
é que quando se diz errância
diz-se sobre tudo:
liberdade.