A partida das formigas-de-asa — Haikus Bálticos
/Zumbe uma mosca
o meu sangue em ti
a serenidade da água.
Algo mergulha
não tem medo
das cianobactérias.
Nas pedras rojas
a água desaparece —
a bétula crepita.
No cais de madeira
formigas-de-asa —
emigrantes no fim de Agosto.
Sobre o verde ondulante
dorme a bebé —
leve brisa de Julho.
À beira Báltico
o silêncio de antigos aromas
— velho fumeiro de peixe.
No sono da bebé
tento encontrar
o meu silêncio.
Mais uma fotografia
um registo
para o esquecimento.
Enganar o tempo
com palavras —
nem as pedras conseguem.
O Sol o mar
um pedaço de papel
um momento todo meu.
À beira do mar
respira-se mais fundo
com uma caneta na mão.
Sobre a pedra
no meio da relva
caganita de coelho.
Chuva no telhado
a luta
das formigas-de-asa.
Nas folhas da bétula
seus olhos encontram
uma canção de embalar.
Inúmeras formigas-aladas
frenesim no telhado —
agora silêncio e vazio.
Flutuando na água da chuva
só o vento move agora
as formigas-de-asa.
No bruxuleante lusco-fusco
da sauna de madeira
lavo-me com água da chuva.
Escovando o cabelo
deixando de ser
a cada passagem.
Ouvindo shakuhachi
na sauna lavo-me
com a pressa de um negrilho.
Como uma bandeira
das minhas derrotas
cabelo ao vento.
Com esta lenha e esta água
absolvo também
os meus pecados.
Sobre esta rocha
repetindo-me
célula a célula.
Porque ver só formigas
quando por todo lado
flores.
A quem minto
quando me deixo abocanhar
por tanta vontade.
Sobre uma fraga longínqua
passa por mim
o mesmo vento.
Na sombra
não forces
o poema.
Último dia na cabana
rego os trevos
com a glória-da-manhã.
Eskilsö-Kaskinen, Julho 2024