Abrir mundos

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Espelho.
Espectro.

Duas palavras abrem vários mundos. Cada um de nós, leitores, poderia relacionar “espelho” e “espectro” de diferentes maneiras. Ao ler este breve poema de Luis Marcelino Gómez, eu vejo um homem cansado, olheirento, talvez meio despido, contemplando um espelho. Gasto por tremendos trabalhos, esse corpo assoma, fura o escuro, arrasta consigo muitas carapaças. Vejo, no fundo, um espectro, uma criatura que perdeu parte da energia ou do idealismo, que viveu sonhos, tantos deles convertidos em desilusões, e que agora está ali, resistindo a uma furiosa vontade de deixar de ser quem é. Espectro, coisa pesada, remete-me para uma certa ideia de regresso ao passado, de reviver a juventude, de voltar a ser aquele que tudo fazia sem medo. O jovem que não era fantasma. Uma sombra de nós mesmos, eis o que acabamos por ser a certa altura. Uma vida enrugada cobrindo um montão de existências antigas. Estas poderiam ser chaves para uma aula de escrita criativa.

Espectro.
Espelho.

A partir daqui, pedimos aos estudantes que inventem um mundo. Poesia, arte. Muito passa pelo que não está escrito.

Memórias de um congresso


I

Bisbilhoteiros académicos,
sanguessugas de mártires,
eruditos exibicionistas,
cardume de piranhas.

II

Os vermes ocupam o palco.
O que veio de Princeton
fala, desconexo.
Na sua fábula esquizofrénica,
nada disse,
apenas o ditirambo ao vetusto império.
O lunático coroou os reis do pó,
enquanto o fresco odor a sangue americano
invadia os corredores e as aulas.

III

Simultaneamente,
fartos de fobia,
os vermes comiam fobia,
almoçavam fobia,
jantavam fobia.
Depois regurgitavam nos palanques
com idónea máscara:
cândidos, inocentes pombos,
falaram sobre o incompreendido,
sobre os raros, sobre aqueles enfermos que a destempo morreram,
sobre o fazedor a quem ninguém cuidou das tristes, doces mãos.
Os painelistas, com garras húmidas de sangue,
afundaram suas lanças bakhtinianas,
seus bisturis estruturalistas.
Repetiram como papagaios, entre aspas, a linguagem de outros,
que por sua vez era a de outros.
Note-se que no congresso sobre os criadores,
os criadores não são convidados,
nem bem-vindos.
São pretexto para o negócio
que alimenta os sapatos dos sábios. 

IV

Sempre,
no entanto,
se encontram
ilustres excepções.
Os que por entre o ruído amam o verso e o parágrafo
e reanimam o morto redivivo com roupas de domingo,
e o beijam,
e com ele bebem,
e seu candor escutam,
e com uma piada o fazem rir,
e lhe afagam o cabelo a dar pelos ombros,
e lhe secam uma lágrima.
Logo o abraçam
e guardam no livro,
para que prossiga a vida quotidiana,
entre palavras.


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Luis Marcelino Gómez é escritor nascido em Cuba, com várias obras de contos e de poesia publicados. É há vários anos professor na Universidade da Carolina do Norte – Chapel Hill. Edita a revista Aguas del Pozo.

O poema é retirado do livro Bajo los arces.

 

Tradução do espanhol de Paulo Rodrigues Ferreira