Um livro recomendado por um amigo que é professor de Literatura Russa e que sabe o quanto gosto de Dostoiévski, Tólstoi e Tchékhov (Turguéniev não tanto). Este é talvez um dos livros mais difíceis de descrever na lista. O livro inclui um conto de cada um dos mestres russos (Dostoiévski, Tólstoi, Tchékhov e, bem, Turguéniev), cada conto é seguido de um texto ensaístico interpretativo. Aqui é que os problemas começam.
George Saunders é um leitor inteligente e perspicaz que ama estes textos e que os relê há anos, que os conhece de cor, que é capaz de ver coisas que não vemos.
George Saunders é um professor de escrita criativa, que ensina estes textos há anos, que há anos que dialoga com alunos sobre estes textos.
George Saunders é um autor, que há anos que procura soluções práticas para as questões narrativas que enfrenta.
Os ensaios são escritos de todos estes pontos de vista. Mas o leitor atento toma a primazia.
Muitas vezes lemos de maneira apressada. Somos sobranceiros a responder às questões que o texto invoca, por vezes negando a existência da pergunta. George Saunders é o leitor que nos faz voltar atrás e olhar com mais atenção. Que nos interpela com questões como “Que história está a ser contada aqui? Se é esta história que está a ser contada porque é que o escritor fez isto e não aquilo? Não seria muito mais fácil contar esta história de outra maneira? Ou talvez não seja essa a história que esteja a ser contada?”
É sobretudo um exercício de amor partilhado. Do prazer da descoberta de grandes textos e da exegese literária enquanto actividade social. Perdão se isto faz com que o livro pareça um bocado para o académico. É-o apenas no melhor dos sentidos: recordou-me de um seminário de Teoria de Literatura que assisti há mais de uma década atrás. Não interessa o tema, era no fundo um pretexto para um pequeno grupo de estudantes (não éramos mais de meia-dúzia) e a professora lerem grandes textos (Kafka, Goethe, Sófocles, etc.) e depois passar as quatro horas semanais do seminário a falar sobre eles. Esta foi uma das melhores experiências do meu tempo enquanto estudante universitário. Uma aprendizagem alegre, que prosseguia em debates entre cigarros na pausa para café, que fazia a imaginação pulsar rápido, que nos faz pensar em coisas que sempre estiveram presentes mas que não estávamos equipados para ver, ou, se víamos, que não éramos capazes de articular. Senti o mesmo ao ler este livro.
Criminal (série de banda desenhada), Ed Brubaker (argumento), Sean Phillips (ilustração)