Caderno 3

Enfermaria 6, Lisboa, Abril de 2015, 108 pp.

8€

Uma versão digital deste livro ficará disponível a 11 de Maio.

Uma versão impressa deste livro pode ser comprada na Fyodor Books ou enviando-nos a sua encomenda para enfermariaseis@gmail.com.

 

Autores
André Domingues | Bruno Sousa Villar | Catarina Santiago Costa | César Rina | Daniel Francoy | Dirceu Villa | Ernesto von Artixzffski | Filipe Teles | Frederico Pedreira | Gonçalo Mira | Ismar Tirelli Neto | João Bosco da Silva | Júlia de Carvalho Hansen | Luís Quintais | Maria Sousa | Makki Ahtisaari | Marco Mackaaij | Miguel Cardoso | Nuno Brito | Otávio Campos | Patrícia Lino | Pedro Braga Falcão | Pedro Mexia | Raquel Nobre Guerra | Ricardo Domeneck | Rui Almeida | Susana Araújo | Vasco Macedo | Victor Heringer | João Moita | Manuel A. Domingos | Helena Bento & Rui Pedro Gonçalves | Cassandra Jordão & Hugo Milhanas Machado

Capa 
João Alves Ferreira

A Enfermaria 6 é uma plataforma editorial sem fins lucrativos. Todo o dinheiro resultante da venda dos exemplares será usado para financiar futuras publicações.

Graal

Há quem queira um porsche 
um t8 no chiado 
e uma ninhada de infantário 
eu não, 
do kit social nunca quis nada 
nem palácio 
nem putos 
nem descapotável 
chegava-me achar o verso santo 
                                      coronário 
onde coubesse este mundo pouco beato 
                        esta raça de papas 
como que um piropo de padre 
onde coubesse tudo tudo, 
do papagaio burocrata grasso 
ao carocho magro só a dieta 
de pão e poesia chutada 

Desse verso fiz soviético 
minha foice martelo e causa 
tentei educá-lo 
idolatrando poetas mortos 
e fantasmas 
romantizá-lo 
em pieguices de amor 
fogo que arde 
simplificá-lo 
tipo ken com barbie 
zangá-lo 
à cowboy de western sem bala 
sombra ou cavalo 
sofrê-lo 
como mágoa amália da 
saudade fado 
arrancá-lo 
a pele e pulso de xizato 
fodê-lo todo caralhadas 
numa alameda inteira 
de atrizes gastas, 
sem plateia só táxis 
gritá-lo mordê-lo rasgá-lo 
tê-lo tentei tê-lo 
mas nada 
nem verso 
nem lenine na praça 

Houve dia que desisti, 
o ideal virou vácuo 
dei comigo engenheiro gelado 
só quente na pestana de álgebra, 
quando vejo um lúcido cair 
do 11º andar a salto voluntário 
farto do peso 
farto da gravidade 
voando pássaro 
             frango de aviário 
caindo homem 
            à velocidade do estável 
até que paraquedista mal aterrado 
que estampa no chão raso 
que morto solitário 
apesar do currículo exemplar 
apesar da apólice do carro 
e só então vi que o verso justo 
para este tempo de umbigos e máscaras 
não se faz de palavras 
mas do erro matemático: 

1+1=1.

Zero-a-zero - diz o Senhor Presidente

Dizem que é para ti tarde para interails e ramos de noiva, que para ti é sempre novembro - que já pedalas com as pernas abertas. 

Sempre foste curva normal, percentil sessenta, diziam que ninguém te iria esperar num dia de vento e chuva grossa. 

Tens hoje dias cheios de horas, picas cebola como a tua mãe fazia. Compras cornetos, dormes a sesta, nadas costas, quinhentos metros bruços - casaste uma vez num cartório, tanta papelada, pensa na touca a tua cabeça. 

Vais para casa, vês as colheitas, regas, descalço, os lírios, que te guardam o polibã. 

Sais, tens horas até às duas, no café sempre aberto até à borra espessa. Falas com o Senhor Presidente - do duodeno, dos elevadores em luanda, do mar da figueira, de almoços de sandes, as fortunas aneladas, promoções de fiambre, as famílias que têm de vender as pratas. 

Zero-a-zero - responde sempre o Senhor Presidente, quando alguém pergunta o resultado de um jogo preso num entretanto – o Senhor Presidente nunca acreditou na divisão dos vivos em vencedores e vencidos, em jovens promessas, manhãs desejadas, bem-conseguidas, a história escrita com a glória, alta, subida, dos vencedores. 

Regressas a casa, lembras as virtudes de teres ido ao quadro, miúdo, na escola. 

Deitas-te, pensas em arroz de tomate, na lena d`água, pequenina, olhas o teu dedo indicador direito, um prodígio na discussão de jurisprudências. 

Apagas a luz, envias uma mensagem, afinal sempre vais – e levas mousse para a sobremesa. 

Foi o Senhor Presidente que o disse, ao redondo da mesa, interrogando a esperança no final da noite - nunca é tarde para se dizer presente. Levantou-se, depois, aparentando gravidade e conhecimento de causa, e apontou o dedo para a chuva que caía encosta acima.