To the Wonder

Ben Affleck é o actor perfeito para To the Wonder (2013). É  dos melhores actores sempre que o papel exija silêncio. Affleck não poderia representar Macbeth ou qualquer outro papel que requeira mais do que gestos e testas enrugadas. Este filme de Terrence Malick, unanimemente desprezado, merece mais atenção por parte de quem liga a temáticas como o sentido da vida, o amor e a sua efemeridade. O amor começa como um nascer do sol, sobe do estômago até à cabeça, e em certo momento toma conta do sujeito irremediavelmente afectado por uma obsessão, a de possuir a amada. Affleck é perfeito neste filme por nada dizer, por gesticular quando zangado, por abraçar quando apaixonado, por cruzar os braços quando confuso. O amor é silencioso, ataca-nos do nada e igualmente do nada entrega-nos a outros sentimentos como a raiva, o ódio ou o desprezo. O amor é  um homem à mercê da força do mar.

As personagens interpretadas por Affleck e Olga Kurylenko apaixonam-se e deixam de se ver. O amor que os une não morre mas aparece a personagem interpretada por Rachel McAdams a encobrir esse amor. O homem sozinho procura apaixonar-se outra vez, mesmo que seja impossível, procura apaixonar-se correndo atrás da loira. Porém, Olga Kurylenko reaparece com a sua paixão e na cara de McAdams só vemos tristeza. Ben Affleck vai cumprir o seu destino, que é estar ao lado da pessoa que ama. Sucede que estar ao lado da pessoa que se ama não equivale a ser feliz. Colocam-se diversas questões. Com quem estiveste na minha ausência? Por que motivo não conseguiste esperar? O que faremos com estas horas mortas? Discute-se por razão nenhuma. Agride-se por pouco. Duas criaturas que nunca deixarão de se amar não suportam a companhia uma da outra e separam-se. Separam-se para sempre. O homem fica sozinho no aeroporto vendo a amada partir. Há um sofrimento atroz. Aquelas duas pessoas amam-se e não podem, não sabem estar juntas, não se entendem. O que fazer com aquele amor que não deixará de existir? Ela viverá na Europa, ele nos Estados Unidos. Talvez nunca mais se voltem a ver. O que fazer com aquele amor que nunca se extinguirá? Esperar que apareça outra Rachel McAdams ou deambular ou beber, beber até cair ou esperar sentado na casa vazia pela serenidade que permitirá aceitar que aquele amor nunca poderá conduzir à alegria?

O homem não tem respostas, o filme não é de respostas, o filme é sobre sentimentos, sobre nuvens, marés, amor, desaparecimento, esquecimento e dor. Talvez não seja um grande filme, como a unanimidade crê. Que importa se lá se encontra a poesia que não se vislumbra em tantas centenas de livros?

Sexta conjugação, 3

Adeus - disse - com ar de montanha -
fosse como fosse haveria sempre caminho
para quando as pedras fossem terra.
Não que partisse sem regressar,
apenas porque gostava de o dizer -
- adeus - como se fosse tempo de existir.
Uma a uma, silvestres, as folhas
não tem recordação de ela partir,
quando nos vales os rochedos sorriem
com o sol entre os braços.
Nem quando sair é em silêncio
deixa de haver som no horizonte.
Ela agora, penosamente agora, faz horas
até ter alguém de quem se despedir.
Porque tão bem lhe fica essa palavra
na doce cor dos seus lábios.

RENDEZ-VOUS, Punchline, Infinito, Segredo e Fim

519. RENDEZ-VOUS

Combinou encontrar-se comigo ao fim da tarde na esplanada do mercado, porém, antes disso, enviou-me uma mensagem a dizer que preferia encontrar-se comigo no outro dia de manhã no seu ateliê; todavia, pouco depois, recebi outra mensagem sua. Ainda não tinha começado a lê-la, quando o avistei, do outro lado da rua, com um ramo de flores silvestres na mão, avançando decidido num infantil passo de dança. Deixei-o ir e resolvi vingar-me: abri o meu bloco de notas e escrevi este texto, encontrando-me com ele no local que eu próprio escolhi à hora que eu próprio quis.


550. PUNCHLINE

O homem espera a morte. Não a deseja nem a teme, espera-a apenas. Viver é esperar a morte.


582. INFINITO

 Não me compreendes.
Compreendo-te muito bem, só não concordo contigo.
Se me compreendesses, estarias de acordo comigo.
Não te compreendo!
Vês, eu tinha razão, tu não me compreendes.
Tu queres sempre ter razão! Vês, compreendo-te muito bem.
[Atenção, pede-se ao leitor que regresse imediatamente à primeira fala e continue a ler a partir daí]


625. SEGREDO

Diz-me uma coisa.
O que queres saber?
Diz-me apenas sim ou não.
Sim ou não?
Sim ou não!
Para quê?
Vá lá, diz-me apenas sim ou não.
Sim.
E então o homem estendeu-lhe um pequeno papel mal dobrado e matou-se ali mesmo à sua frente. Ele jogou as mãos à cabeça e o pequeno papel mal dobrado caiu no chão e ali ficou, esquecido.

Nota: Para os mais curiosos, que se perguntam o que estava escrito no pequeno papel dobrado, esclareço que sei o que dizia mas não o escreverei.


659. FIM

Não és meiga e não te preocupas comigo, disse-lhe ele e recusou-se a acompanhá-la.
A morte sorriu e deixou-o viver mais um pouco.

Um Poeta

Tradução de Hugo Pinto Santos

Olhos atentos, assombrosa vigia,
Ou mentes perscrutadoras, negligencia,
Nem éditos prementes pra sorver e cear,
Nem róseo vinho em torno do qual jurar.

E não lhe interessa o elogio clamoroso,
Mercê do grande, do opulento, ou do formoso,
Nem subtis peregrinos de longe lugar,
Sedentos de saber a raiz do seu cismar.

Cedo ou tarde, porém, quando nos ocorreu
Que ele se descobriu do rugoso chapéu,
À tardinha, ao primeiro luzir estelar,
Abeirado da tumba, numa pausa, a expressar:

«Fosse qual fosse o sentido – triste ou ridente –,
Duas mulheres o enleiam, de espírito luzente»;
Queda-se e diz: se o dia exalar o seu estertor,
Ainda há-de ser suficiente esse louvor.

 

Thomas Hardy, The Complete Poems, Macmillan, 1982

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no cair do pano

no cair do pano de cena dominical, o bastidor enfiou-se dentro de uma oficina: vê-se o desconstruir da relação, os gases a mais no motor, os aplausos antes de tempo, e com isso, a precocidade em explicar o porquê de não nos fazermos rogados a água de rosas no cu. mas os abraços contam, e o cheiro pleural que nos invade naquela parte em que as cabeças sossegam no altar do ombro. encaixe matemático. semicerrar de pálpebras. e pelo único momento do dia, afastamos a preocupação de proteger as pupilas acima de toda a vida onde nos segmentamos. desfadigamos. o esterno esvazia. repouso benevolente. e enche. de novo. com a força de um segredo.