Agosto

I – Torre de Dona Chama

O gato abandonado
atravessa o restolho
do fim da tarde.

A passarada canta
ao anoitecer –
são os vizinhos que restam.

O tractor regressa –
leva a fome
que contra o calor lutou.

Noite quente de Verão –
as rãs acordam
do seu sono molhado.

Os dedos soltam a corda –
naquele instante
nasce um poema.

Já no ar leva traçado
o seu lugar no alvo –
a flecha.

O rio passa
quer a cigarra
cante ou cale.

O Sol põe-se,
as cobras procuram
a companhia das sombras.

Pinheiro ao Sol –
do fundo do vale
olha-se a distância.

No cimo da fraga
acumulam-se
as fezes do gineto.

Quantas folhas caíram hoje,
não interessa –
o rio leva-as todas.

Reflectido no rio
o poeta vê-se mais nítido
que no poema.

Portas fechadas –
o Sol ainda beija
com a língua afiada.

Por cima da fraga dura
passa leve
a borboleta.

Debaixo do carrasco
eu também
onde as folhas caíram.

No crepúsculo do Verão
os grilos acendem
a noite.

[1]No carro do padre
cagaram
as pombas.

É quando o Sol
se põe que os juncos
mais crescem.

no mantra da noite quente
balança o passado
e o presente.

As pedras ainda quentes –
há anos que ela
partiu.

Os escorpiões em álcool
ainda duram –
quantos amores esquecidos.

O açúcar seca no fundo
da chávena –
o hálito a café permanece.

Noites quentes
de ausência –
confabulação.

A Lua segue
as gotas púbicas
na carne quente.

Caem-lhe dos bolsos
gordas larvas –
ninguém irá comer.

A macieira solitária
no lameiro verde
tem a sombra mais bela.

A brutalidade passeia
vestida de incêndio
na canícula.

Contra o rigor da natureza
e a crueldade do homem –
desabrocha a flor.

Quanto menos se tem
menos se
cala.

Ignoram as moscas
que o vidro frio
as espera na janela.

Ainda hoje procuro
o Sebastião Alba
longe do cemitério.

Não há cegueira
que trave
a visão da mão.

Escreve-se melhor
à sombra
dos teus beijos.

 

II- Figueira da Foz

Só as ondas
insistem
no regresso.

Estamos à distância
de um sorriso
ou de uma palavra?

Não é a partida
da andorinha
que traz o Outono.

Eles procuram ser
os sonhos
uns dos outros.

 

III- Porto

Acende-se um cigarro
e sopra-se
no fumo.

À beira do rio
outra vez
como nunca antes.

Entre séculos de fome
esperam inquietos
os fartos.

A loucura alimenta-se
de gritos
e solidão.

Nem o espelho
me reconhece
a desilusão.

A cerveja aquece –
mais rápido
a saudade aparece.

A gota de Porto
caiu-me na pele –
o teu suor.

Os turistas
na minha terra
como eu.

Instala-se o cansaço
como um
pôr-do-sol na montanha.

Um porto entre
cigarros –
o sabor da tua língua.

O rio corre
quer haja lágrimas
quer não.

Dói o luar
Desta noite –
Quebra-se um prato.

Babel –
é aqui que me sinto
em casa.

Agosto 2016


[1] Versão do haiku de Yosa Buson: “Sobre a imagem santa/defecou/uma andorinha”

Alguns poemas de "Orientações" de Odysseas Elytis

 

Odysseas Elytis,
Tradução de Manuel Resende

Do Egeu

I

O amor
O arquipélago
E a proa da sua espuma
E as gaivotas dos seus sonhos
No seu mais alto mastro o marinheiro drapeja
Uma canção

O amor
A sua canção
E os horizontes da sua viagem
E o eco da sua saudade
No seu mais húmido rochedo a noiva espera
Um barco

O amor
O seu barco
E a despreocupação dos seus ventos de Agosto
E o estai da sua esperança
No seu mais leve ondular uma ilha embala
A chegada.

CLIMA DA AUSÊNCIA

I

Todas as nuvens da terra se confessam
E um penar meu ocupou-lhes o lugar

E quando nos cabelos entristeceu
Impenitente a mão

Atei¬ me num nó de dor.

II

A hora entardeceu esquecida
Sem memória
Com a sua árvore muda
Para os lados do mar
Entardeceu esquecida
Sem bater de asas
Com a face imóvel
Para os lados do mar
Entardeceu
Sem amor
A boca inflexível
Para os lados do mar

E eu - mergulhado na Serenidade que seduzi.

III

Tarde
E a sua imperial solidão
E a ternura dos seus ventos
E o seu arriscado esplendor
Nada que chegue Nada
Que parta

Todas as faces nuas

E por sentimento um cristal.

SEGUNDA NATUREZA

I

Sorriso! A sua princesa queria
Ter nascido no reinado das rosas!

II

O tempo é uma sombra rápida de pássaros
O meu olhar escancarado entre as suas imagens

Em torno do verdíssimo êxito das folhas
As borboletas vivem grandes aventuras

Enquanto a inocência
Despe a sua última mentira

Doce aventura Doce
A Vida.

III

Epigrama

Antes dos meus olhos eras luz
Antes do Amor amor
E quando o beijo te tocou foste
Mulher.


Orientações (Em Grego, Prosanatolismoi) é o primeiro livro de Odysseas Elytis e foi publicado em Atenas em 1939. Em epígrafe ao livro lê-se um verso de Rimbaud, Départ dans l'affection et le bruit neufs. 

Paul Valéry: Aforismos

Selecção e tradução: João Moita

Saborear a injustiça.

A injustiça é uma amargura que restitui o sabor à solidão, aguça o desejo de separação e singularidade, abre o espírito às vias profundas que conduzem ao único e ao inacessível.

*

 No fim de contas, esta vida miserável não merece que sacrifiquemos a existência à aparência, quando sabemos aos olhos de quem, diante de que olhos vamos aparecer. 

*

Sinceridade.

A sinceridade desejada leva à reflexão, que leva à dúvida, que não leva a lado nenhum. 

*

Si.

De nós não sabemos mais do que aquilo que as circunstâncias nos deram a conhecer (ignoro tanto de mim).

O resto é indução, probabilidade: Robespierre jamais imaginou que guilhotinaria daquela maneira; nem um outro que amaria até à loucura.

*

O crime não se encontra no momento do crime, nem mesmo um pouco antes. – Mas numa disposição bem anterior e que se desenvolveu à rédea solta, longe das acções, como fantasia sem consequências, como remédio para impulsos passageiros – ou para o tédio; –  frequentemente pelo hábito intelectual de considerar todas as possibilidades e de as formular indistintamente.

*

As «razões» que nos levam a abster-nos dos crimes são mais embaraçosas, mais secretas do que os crimes.

*

 O castigo enfraquece a moralidade porque dá ao crime uma compensação acabada. Ele reduz o horror do crime ao horror da pena; – ele absolve, em suma; e faz do crime uma coisa negociável, comensurável: podemos negociá-lo.

 *

 Tudo aquilo no qual e pelo qual nós temos necessidade imediata de outrem é «ig-nóbil» – não nobre.

Mentira.

O que nos força a mentir é frequentemente o sentimento que temos da impossibilidade de os outros compreenderem inteiramente os nossos actos. Jamais conseguirão conceber a sua necessidade (que a nós mesmos se impõe sem se esclarecer).

– Dir-te-ei o que podes compreender. Não podes compreender o verdadeiro. Não posso mesmo tentar explicar-to. Dir-te-ei, pois, o falso.

– É assim que nasce a mentira daquele que desespera do espírito de outrem, e que lhe mente, porque o falso é mais simples que o verdadeiro. Mesmo a mentira mais complicada é mais simples que a Verdade. A palavra não pode pretender patentear toda a complexidade do indivíduo.

 *

 Deus criou o homem, e não o achando suficientemente só, deu-lhe uma companheira para melhor lhe fazer sentir a solidão.

 *

 A maioria das pessoas têm uma ideia tão vaga da poesia que o próprio vago da sua ideia é para elas a definição de poesia.

 *

 O pensamento deve estar tão escondido dentro dos versos como a propriedade nutritiva dentro de um fruto. Um fruto é alimento, mas não o experimentamos senão como deleite. Apenas sentimos o prazer, mas recebemos uma substância. O encantamento esconde esse alimento insensível que ele transmite.

 *

 «E os meus versos, bem ou MAL, dizem SEMPRE alguma coisa.»

Eis o princípio e o embrião de uma infinidade de horrores.

Bem ou mal, – que indiferença!

Alguma coisa, – que presunção!

 *

 Acho curiosa esta ideia da religião: que uma falta cometida retire a mercê da pureza anterior – como se o mérito da «alma» tivesse sofrido uma «transformação irreversível». E, pelo contrário, que o arrependimento e as suas fórmulas obrigatórias apaguem todo um passado detestável não é menos espantoso.

De onde vem o poder de tal dia numa vida sobre todos os outros dias? Aquele que está fora do tempo, porque dá ele este preeminência, para o mal ou para o bem, ao mais recente sobre o mais distante?... De dois mortais, um é salvo, o outro condenado. Mas a vida de um é idêntica à do outro, tomada em sentido contrário.

 *

Sei que a juventude chegou ao fim quando o meu pensamento se repercute naquilo que faço - ao mesmo tempo que aquilo que faço se incrusta naquilo que penso.

 

 Paul Valéry, aforismos de Tel Quel I, 1941.

Questionário standard para autores fora de série: Carla Diacov

Ilustração de Carla Diacov. 

Ilustração de Carla Diacov. 

A Enfermaria 6 enviou-me até São Paulo para entrevistar uma autora que frequentemente colabora com este site, Carla Diacov, por ocasião do lançamento do seu novo livro. Estava um dia quente e para minha decepção não me foram oferecidas caipirinhas. A autora recebeu-me em sua casa ainda de faca na mão, avental e saltos altos. Recordo o pormenor de vegetais cortados, mas nenhuma galinha degolada. Não foi desta que conversamos sobre Clarice Lispector. 

No seguimento de Amanhã Alguém Morre no Samba, estás agora prestes a publicar Ninguém Vai Poder Dizer Que Eu Não Disse, pela Douda Correria, e a metáfora mais gentil do mundo gentil, pelas Edições Macondo. Isto podia ser descrito como um período prolífico. Tens uma disciplina para escrever? Algum ritual em particular?

Lindona Cassa... posso te chamar assim? Bem, lindona Cassa, não, não se trata de um período prolífico.  Claro que sofro disso de tempos em tempos. Diria que o fenômeno (Nessa parte nos abraçamos para rir um pouco? Juntinhas? Ah, que alegria!) deu-se pela sincronia nas propostas das duas tão queridas editoras. (Agora podemos nos soltar. Não gosto de largar minha faca e sei que isso é perigoso quando se fala sobre poesia.) Não tenho diciplina para nada além da medicação: trato perebas mentais (Cassa, não olhe assim para a faca!), fobias, depressão e uma moderada sindrome do pânico, TOC, entre outras perebas menores.  Há algo de diciplinar no rito da escrita, mas numa questão mais rito que diciplina: acordo, tomo meu café e me sento à escrivaninha com uma estante de livros nas minhas costas. Me atualizo com a internet e deixo abertos os arquivos que estão na “fila”, coisa que não significa que a escrita se dará. Forcei esse ritual por um tempo até que isso fosse orgânico em mim. Nos dias em que a escrita não comparece, viro minha cadeirinha para trás e leio ou volto para o ecrã onde também leio, vejo filmes e faço umas pesquisas e exercícios. Uso muito, numa diversão quase perversa, o google tradutor. Explico: Colo ali um poema meu ou de algum afeto literário, embaralho o poema, peço ao nhô google para traduzir para o latim então do latim para o polonês então para o punjabi e volto para o português. No mínimo dou umas boas risadas e no máximo tiro dali o “epicentro” da brincadeira e faço um poema ou uma prosinha com. Essa é uma das técnicas (Outro momento daqueles tapas de colegas! Impostora véia danada! Pô, Cassa!) que uso quando o branco me cobre os dias.

Sobre rituais... Ah, meu bem! Desde sempre sou toda TOC e os rituais ligados ao ato escrever não me cansam nem causam grandes sofrimentos, como a maioria dos outros faz. (Ah, Cassa... Dê cá outro abraço que te faço a bendita caipirinha!).

A tua formação é em teatro, e há uma dimensão performativa na tua poesia. Há algum dramaturgo que te tenha influenciado particularmente? Escrita, teatro, desenho? Qual destes é o teu modo de expressão principal? Descreverias algum destes como secundário?

Ó, Cassa, sim e sim e sim! Não sei... Olhe só, comecei a me interessar pela escrita com Édipo, tive um caso sério e muito tulmultuado com Sófocles na época. Shakespeare nunca deixou de piscar pra mim. Mas quando conheci Heiner Müller, Harold Pinter, Karl Valentin, Brecht, Nelson Rodrigues, Sam Shepard, Tennessee Williams, Strindberg e Sartre… É isso e bem aqui! Tenho que após o contato com esses gênios minha inner escritora resolveu tomar de assalto a casa toda. Também Dorothy Parker e Cortázar comparecidos a uma adaptação teatral da qual fiz parte.

Ler peças é muito produtivo por aqui. Ler e reler teatro é um dos meus exercícios capitais.

Meu modo principal é a escrita, mas se ela não comparece, parto para os desenhos, para o meu pequeno laboratório de estar com as imagens, com objetos, coisa que, fatidicamente me leva de volta à escrita. Sempre. (Outro abraço?)

Sim. Acho que, como segundo plano, parto ininterruptamente para as plásticas.

Sou sinesteta. Descobri que isso não acontece com todo mundo, como quase todo sinesteta, após a infância e a sinestesia já me atrapalhou muito na escrita, mas eu soube contornar e faço bom uso dessa ferramenta mais.

É difícil de traçar uma influência decisiva na tua poesia. Há temáticas recorrentes, e alguma coisa na atmosfera dos teus poemas por vezes parece reminiscente dos mundos de Frida Kahlo. Que autores segues? Achas que influência de outros autores é relevante para o teu trabalho ou nem por isso?

Cassa, devo dizer que gosto de fazer isso ficar difícil. É um dos meus escopos. Acho bacana ter um estilo. Acho mesmo muito bonito. Comigo é que não funciona. Não gosto, me incomoda, fisicamente até, perceber que estou num caminho “desenhado”.

NÃO ESTOU DIZENDO QUE TODA POESIA DENTRO DE UM ESTILO SEJA DESENHADINHA OU CHATA!

(Me perdoe, Cassa. Não queria gritar com você. Foi um grito comigo, tá?)

Tenho como referência prima a atmosfera de muita gente, não parece, mas releio muito Emily Dickinson.

Me atraco com Galeano, Ezra pound, Dylan Thomas, Sebastião Alba, Manoel de Barros, etc.

Angélica Freitas mantém minha sutança em dia. Percebo a flanagem dessa mulher incrível por mundos e mundos. Afora ser uma pessoa muito querida, aberta aos novos passos, faz seus novos passos, é muito gentil com seus seguidores, toca formas e formas de cultura e tão bem humorada. Também tenho esse sentimento com o Reuben da Rocha (CavaloDada), Tazio Zambi, Nydia Bonetti, Ricardo Domeneck, André Capilé, Otávio Campos, Guilherme Gontijo Flores, com bastante escritores da atual e eletrônica (Eletrônica, Carla? Mas que tia véia! Ó, Cassa... És tão doce!) geração, aliás, sou bem feliz em ter tantos blogues, tantas revistas on-line com a disposição de publicar gente boa e nova.

A poesia de Portugal me arrebata. Raquel Nobre Guerra, o próprio Nuno Moura e a(o)s poetas que Douda traz aqui pra casa quase que semanalmente.

O mesmo com a Macondo. >>> experimento esse gosto bom: fui parar nos lugares certos, dei as mãos aos afetos que teriam de ser, de alguma forma seríamos e somos >>>

Me encanta muito a poesia e o olhar poético de Maria Sousa,

de António Cabrita >>> que honra cheia de alegrias ter um prefácio assinado pelo Cabrita! >>>  

de Inês Dias, do multifacetado Hugo Milhanas Machado ... Dito isso, sim! É relevante, me é vital a influência dessas belas pessoas. Certamente me esqueci de tantos!

E meus sonhos, Cassa. Sonhar é meu outro laboratório. Tenho poemas inteiros sonhados e na época do teatro “transcrevi” cenários, figurinos e textos dos sonhos.

As temáticas recorrentes... É quase certo que isso esteja diretamente ligado ao meu TOC. Me sinto um tanto desconfortável se não faço de um poema “favorito” uma série.

Publicaste o teu primeiro livro em Portugal, há um para sair deste lado do Atlântico, e o mais recente vai ser publicado esta semana (25/08/2016) no Brasil. Como descreverias a tua experiência de publicação (e recepção) nos dois países?

Cassa, isso tudo é uma grande surpresa da qual eu ainda me recupero e pretendo estar a me recuperar por um bom tempo: QUE PANCADA BOA! Fui convidada a publicar, em ambas editoras. Não havia ainda um projeto VOU PUBLICAR UM LIVRO.

Ah, sim, não posso jamais me esquecer de Nina Rizzi. Essa mulher, essa força foi a primeira a me pegar pelas mãos e dizer VAMOS FAZER UM LIVRO! O livro que tenho pelo selo da Ellenismos, a revista lindeza da Nina, é eletrônico, mas está lá, é um livro, pois.

(não estamos brigando, Cassa! Tome aqui a caipirinha... dois dedinhos de açúcar, limão, socar e socar com o cabo da faca, gelo, cachaça e uma gota de própolis!)

A experiência em publicar com a Douda é puro amor, é muito carinho. Também com a Macondo.  Sei cá no Brasil de amigos com histórias terríveis no processo da publicação. Nunca me senti tão afagada e confortável em fazer esses trabalhos. Os amigos e contatos que esses livros, essas editoras me trazem... tivemos aí um crítico que se aplicou em falar mal dos leitores e muito pouco do livro. Na ocasião fiquei bem brava com ele, mas cá entre nós, Cassa, como foi tudo muito rápido, surpresas lindas e mais surpresas, estou de bem com isso hoje. Quero é o diálogo (É. Eu falo muito disso.) que só a arte faz/traz, quero é o toque das pessoas sobre o poema. Me importa mais esse diálogo. Claro que igualmente me importa a opinião de muita gente.

O resto é teoria miasmática.

Descreverias a tua poesia como comprometida? Se sim, com o quê?

Absolutamente. E absolutamente dessa forma: É uma boa transformista e se compromete com o momento em que é escrita.

NÃO ESTOU DIZENDO QUE TODA POESIA TRANSFORMISTA TEM ESSE COMPORTAMENTO!

(Me perdoe, Cassa. Não queria gritar com você. Foi um grito comigo, tá?)

Se houver uma causa dando bobeira por perto, pode ser que minha poesia se comprometa com, mas dificilmente isso acontece.

Muita gente vê feminismo em muito do que escrevo.

É, Cassa. Temos aí, no feminismo, um comprometimento que chegou como que intuitivamente.

Me perdoe. Você foi engana o tempo todo: não era limão.

Dizem que nascemos feministas. Também dizem que isso de nascer feminista é a mais pura bobagem. O povo fala, você sabe.

Então digamos que minha poesia não é absolutamente descomprometida e sim absurdamente disposta a se comprometer a todo momento desde que a causa consiga pegar meu rosto que, escrevendo, faz movimentos de peixe besuntado no limo.

(Cassa, perdoe os machucadinhos, você mesma viu: falo muito com os braços e não largo a faca, não é? Tome: Fiz uma garrafada da caipirinha para os enfermeiros.)