"a sós com toda a gente", Charles Bukowski

 
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Tradução: João Coles



a carne reveste os ossos
e põem-nos uma mente
lá dentro e
por vezes uma alma,
e as mulheres quebram
vasos contra as paredes
e os homens bebem
em demasia
e ninguém encontra a pessoa
certa
mas continuam
à procura
a rastejar para dentro e para fora
das camas.
a carne reveste
os ossos e a
carne procura
mais do que
carne.

não há nenhuma
saída:
todos estamos encurralados
por um só
destino.

nunca ninguém encontra
a pessoa certa.

as lixeiras enchem
os ferros-velhos enchem
os manicómios enchem
os hospitais enchem
os cemitérios enchem

nada mais
enche.


in Love is a Dog from Hell, Ecco, 2003


alone with everybody

the flesh covers the bone
and they put a mind
in there and
sometimes a soul,
and the women break
vases against the walls
and the men drink too
much
and nobody finds the
one
but keep
looking
crawling in and out
of beds.
flesh covers
the bone and the
flesh searches
for more than
flesh.

there's no chance
at all:
we are all trapped
by a singular
fate.

nobody ever finds
the one.

the city dumps fill
the junkyards fill
the madhouses fill
the hospitals fill
the graveyards fill

nothing else
fills.

in Love is a Dog from Hell, Ecco, 2003

Anne Sexton, "Velha"

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tradução: Bruno M. Silva

Tenho medo de agulhas.
Estou farta de lençóis de borracha e tubos.
Estou farta de rostos que não conheço
e agora parece-me que a morte começa.
A morte começa como um sonho,
cheio de objectos e do riso da minha irmã.
Somos jovens e caminhamos
e colhemos mirtilos selvagens
a caminho de Damariscotta.
Oh Susan, ela disse,
manchaste o tua nova cinta.
Doce sabor –
a minha boca tão cheia
e o doce azul acabando-se
a caminho de Damariscotta.
O que estás a fazer? Oh, deixa-me em paz!
Não vês que sonho?
Num sonho nunca tens oitenta.

Old

I'm afraid of needles.
I'm tired of rubber sheets and tubes.
I'm tired of faces that I don't know
and now I think that death is starting.
Death starts like a dream,
full of objects and my sister's laughter.
We are young and we are walking
and picking wild blueberries
all the way to Damariscotta.
Oh Susan, she cried,
you've stained your new waist.
Sweet taste –
my mouth so full
and the sweet blue running out
all the way to Damariscotta.
What are you doing? Oh, Leave me alone!
Can't you see I'm dreaming?
In a dream you are never eighty.

Charles Bukowski, "o homem ao piano"


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Tradução: João Coles


o homem ao piano
toca uma música
que não compôs
canta palavras
que não são suas
num piano
que não lhe pertence.

enquanto
as pessoas à mesa
comem, bebem e falam

o homem ao piano
termina
sem aplausos

e logo
começa a tocar
uma nova música
que não compôs
começa a cantar
palavras
que não são as suas
num piano
que não lhe pertence

enquanto
as pessoas à mesa
continuam a
comer, a beber e a falar

quando
termina
sem aplausos
anuncia
ao microfone que
vai fazer
uma pausa de dez minutos

vai
à casa-de-banho
dos homens
entra
numa cabine
tranca a porta
senta-se
puxa dum charro
e anima-se

está contente
por não estar
ao piano

e
as pessoas sentadas à mesa
comendo, bebendo e falando
também estão contentes
por ele
lá não estar

é assim
que as coisas funcionam
quase em todo o lado
com tudo e todos
enquanto ferozmente
nas montanhas
o
cisne negro pega fogo


in Dangling in the Tournefortia, 1981


the man at the piano

the man at the piano

plays a song
he didn't write
sings words
that aren't his
upon a piano
he doesn't own

while
people at tables
eat, drink and talk

the man at the piano
finishes
to no applause

then
begins to play
a new song
he didn't write
begins to sing
words
that aren't his
upon a piano
that isn't his

as the
people at the tables
continue to
eat, drink and talk

when
he finishes
to no applause
he announces,
over the mike, that he is
going to take
a ten minute break

he goes
back to the men's
room
enters
a toilet booth
bolts the door
sits down
pulls out a joint
lights up

he's glad
he's not
at the piano

and the
people at the tables
eating, drinking and talking
are glad
he isn't there
either

this is
the way it goes
almost everywhere
with everybody and everything
as fiercely
in the highlands
the
black swan burns


in Dangling in the Tournefortia, 1981

Adrienne Rich, "Essa Boca"

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tradução: Bruno M. Silva

Esta é a boca da rapariga, o sabor
que as filhas, não os filhos, logram.
Estes são os lábios, poderosos lemes
atravessando bosques de algas,
o sabor feminino, terrível e amargo
de todo o oceano e suas profundezas: é esse o sabor.

Este não é o beijo do pai, o da mãe:
um pai pode tentar sufocar-te,
uma mãe afoga-te para te salvar:
todas as transacções foram há muito decretadas.
Isto não é o conto de uma irmã nem de um irmão:
estranhos acordos foram há muito feitos.

Isto é o engolir, o brotar
do camarão e plâncton, essa boca
descrita como a de uma rapariga —
bastante para te dar a provar:
És tu uma filha, um filho?
Estranhos acordos foram há muito feitos.

1988

in An Atlas of the Difficult World, Poems 1988 - 1991

That Mouth

This is the girl’s mouth, the taste
daughters, not sons, obtain:
These are the lips, powerful rudders
pushing through groves of kelp,
the girl’s terrible, unsweetened taste
of the whole ocean, its fathoms: this is that taste.

This is not father’s kiss, the mother’s:
a father can try to choke you,
a mother drown you to save you:
all the transactions have long been enacted.
This is neither a sister’s tale nor a brother’s:
strange trade-offs have long been made.

This is the swallow, the splash
of krill and plankton, that mouth
described as a girl’s —
enough to give you a taste:
Are you a daughter, are you a son?
Strange trade-offs have long been made.

1988

in An Atlas of the Difficult World, Poems 1988 - 1991