How soon is now

do Arthur

 

(de verdade)
imagina 

um recorte de revista
de mim deitado numa cama uma foto do mundo
no fundo bem grande um pôster e uma sessão
de fotografias 

existe um nome técnico para vídeos
feitos de fotografias mas agora
não me lembro 

eu no Brasil:
Rio de Janeiro
eu recorte
e aí uns recortes de sons
The Smiths 

e eu vou subindo

primeiro a parte direita sobe
na primeira foto meus pés
porque eu estou deitado aí
minha cabeça isso em fotos 

sucessivas
muito rápidas 

não tão rápidas
que não dê para perceber que são fotos
individuais 

aí vou subindo assim e em menos
de três segundos eu estou fora
do mundo o vídeo dura uns cinco
segundos é o suficiente

Los animales buscan sitios difíciles para morir


já não necessito de ti
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste

 

Al Berto


I
 

Soy la tercera generación de hombres que vienen de la tierra y de la sangre. Manos de mi abuelo atando los cuatro estómagos de una vaca. Pies de mi bisabuelo en la espalda de una mula para llegar al olivo. Voz y cabeza de mi padre yo con tu edad yo y tu abuelo yo y los hombres.


II


Estudio técnicas quirúrgicas para abordar una cavidad que nunca abriré, no las manos de mi abuelo, no la voz de mi padre. Ahora los animales se mueren antes de coserles las entrañas antes de sentir el pulso caliente antes de manchar la tierra de sangre.

III

Quiero seguir a un animal que va a morir. Tocar el trayecto difícil de la agonía en sus párpados. Pies en el lomo voz en el estómago. Ellos me hablan como a un hombre. Ellos esperan de mí lo  que esperan de un hombre.


Pero yo sangro. Animal o mujer: hecha de sueño y lágrimas.

primeira pressão

todorov enfim admite que se lê a teoria 
           e que não se lêem os livros 
           e que isso não é nada bom

o pólen se desprende no ar brilhante
          flutua suave ao vento

giacomo, de cama, ouviu la strega
resguardou-se e recebeu a visita
que o ergueu pela primeira vez em muitas

          magicam operari
               maritare mundum
 
segredos
          alguns nos livros, outros
na vida, certamente não no explicar
não no expor, nada disso

               como arrancar a borboleta
da crisálida ou extinguir na flor a força
de uma essência por pressão

          cícero, o advogado cicerone
de turistas no estoicismo,
no estilo, espremendo grego, retirando
               a pequena abstração a fórceps, essentia
               a umbrosa sombra de sombra

folhear esta floresta                encadernar sua vida com a garganta 

Desaparecer aos poucos

Não sofras por quem desapareceu, afirmou o velho, suporto o peso dos funerais de toda a minha família e aqui ando. O rapaz ouvia de queixo encostado ao pescoço e com os olhos pregados ao chão. Sobrevivi, não por ser mais forte do que a dor, ninguém é mais forte do que a dor. Sobrevivi, prosseguiu o velho com um escarro lançado como um míssil contra a terra, por ter aceitado que nada poderia fazer para alterar o rumo dos acontecimentos. Não sei se isso é ser estóico. O velho gargalhou ao repetir a palavra estóico. Chorei muito, muito, não podes imaginar o que é enterrar um filho, nunca tiveste um filho, nunca te roubaram um filho com uma facada. Também não podes imaginar o que é ver o corpo morto da tua esposa, um corpo outrora belo estendido num caixão, uma face de princesa sugada pelo cancro. O velho encheu o copo, bebeu o bagaço num gole, encheu outra vez o copo e pousou-o na mesa antes de continuar. Cada dor é uma dor. A minha dor de dentes não é mais forte do que a tua enxaqueca, depende de pessoa para pessoa. Eu chorava no funeral do meu pai e o meu irmão distraía-se a contar anedotas aos familiares mais afastados, e se queres saber não acredito que o meu irmão gostasse menos do meu pai do que eu. O rapaz pegou no copo, bebeu o bagaço e tossiu, não estava acostumado à bebida. Bebeu mais e mais, até ganhar coragem para falar. A minha namorada deixou-me, disse, tímido, sentindo que os motivos que o tinham levado ao desespero não eram nada comparando com histórias como as do velho. Pensava que estava tudo bem até ao dia em que ela entrou em casa, despejou o armário para dentro de uma mala de viagem e partiu dizendo que se tinha fartado da minha infantilidade. Há quanto tempo foi isso?, perguntou o velho. Duas semanas, respondeu o rapaz. Imagina a tua vida daqui a dois anos, dentro de vinte e quatro meses não haverá memória do namoro entre x e y, é tudo vaidade, caminhamos para o pó, o esquecimento é o nosso destino, daqui a dois anos, quando estiveres com outra pessoa, rir-te-ás por teres sofrido por ninharias. O senhor ri-se daquilo que lhe aconteceu?, perguntou o rapaz. Claro, ripostou o velho, rio, bebo, danço e caminho, o importante é caminhar. Aceitar e continuar. Se te arrancar um olho, pensarás que nunca mais quererás viver. Doer-te-á muito. Achar-te-ás feio. Passado um tempo, continuarás a viver sem esse olho. Haverá até momentos em que não te lembrarás de que o perdeste. Lembra-te de que nada dói tanto quanto perder um olho e que, mesmo quando se pensa que essa dor nunca passará, quando se sente uma dor tão funda, mas tão funda, que só um tiro na mioleira parece salvífico, existem razões para estar vivo. Que razões são essas?, perguntou o rapaz. Estarmos aqui os dois com uma garrafa de bagaço, termos um cão em casa a precisar que o alimente, não termos perdido o desejo pelas mulheres, haver quem sofra mais do que nós, quem não tenha um pedaço de pão para comer. Se esquecermos a vaidade, suspirou o velho, se esquecermos quem somos, viver é mais fácil. Como se faz isso?, questionou o rapaz, ao mesmo tempo que tentava imitar o escarrar profissional do seu novo amigo.

7.

tem toda a gente debruçada sobre ela. recorte esguio sobre fundo azul, o corpo fingido de estatua e os cabelos, amarrados, em grande cúpula de olhar vidrado – somente por um segundo pestanejou através dessa cortina de gelo, embora não se tenha virado nenhuma vez para a multidão. de repente tudo fica solene. depois do arrebatamento, a euforia deu lugar aos receios múltiplos de quem vira acontecer tragédias e fracassos vezes demais. cada instante pulsava com as respirações em crescendo. e depois já nada se ouvia a não ser, a provação do som. ela - na agilidade habitual a que tinha acostumado outros tantos - severa consigo e ainda assim harmoniosa com os presentes. elegeu criteriosamente a sincronia da implosão com os braços em contacto com a vertigem. não demorou mais que pouco. e em menos de nada o que só ela sabia é que tinham sido eles os escolhidos para assistir in loco a sua irreversível despedida.