Pier Paolo Pasolini, “Trabalho o dia inteiro como um monge”

Tradução: João Coles

Trabalho o dia inteiro como um monge
e à noite passeio como um gato vadio
à procura de amor... Proporei
à Cúria de ser declarado santo.
Respondo à mistificação
com a brandura. Observo com o olho
de uma imagem os afectos à linchagem.
Olho para mim mesmo massacrado com a serena
coragem de um cientista. Pareço
sentir ódio, e porém escrevo
versos plenos de oportuno amor.
Estudo a perfídia como um fenómeno
fatal, como se dela não fosse objecto.
Sinto piedade pelos jovens fascistas,
e aos velhos, que os considero formas
do mais horrendo mal, oponho
apenas a violência da razão.
Passivo como um pássaro que vê
tudo, voando, e leva dentro do coração
no voo em pleno céu a consciência
que não perdoa.

21 de Junho 1962,

In Poesia in forma di rosa, Garzanti, 1964


Lavoro tutto il giorno come un monaco
e la notte in giro, come un gattaccio
in cerca d’amore... Farò proposta
alla Curia d’esser fatto santo.
Rispondo infatti alla mistificazione
con la mitezza. Guardo con l’occhio
d’un’immagine gli addetti al linciaggio.
Osservo me stesso massacrato col sereno
coraggio d’uno scenziato. Sembro
provare odio, e invece scrivo
dei versi pieni di puntuale amore.
Studio la perfidia come un fenomeno
fatale, quasi non ne fossi oggetto.
Ho pietà per i giovani fascisti,
e ai vecchi, che considero forme
del più orribile male, oppongo
solo la violenza della ragione.
Passivo come un uccello che vede
tutto, volando, e si porta in cuore
nel volo in cielo la coscienza
che non perdona.


21 giugno 1962

Da Poesia in forma di rosa, Garzanti, 1964

Dois poemas de Fernando Colitta: “Auto-retrato. Noite adentro” e “Pergunta para Esenin”

Tradução: João Coles

AUTO-RETRATO. NOITE ADENTRO

Escuta o baque surdo e curto do cotovelo,
que pousa na mesa indiferente e muda.
Somente ao outro se segue a mão maleável,
este sustém à cabeça o novo tronco e o novo pescoço.

Repara na minha elegância de homem de pé a degradar-se,
a degradar-se intacta sobre a mesa.
Entre as folhas umas mais outras menos brancas
escondem-se ao desleixo moedas para as compras.

Os vermes entre as jóias
facilmente vivem.
Se olhar para a cómoda
facilmente desaparecem.

Repara no fundo do mundo a perfilar-se
numa rua do mundo que sossega para lá do vidro,
repara no insinuar deste rosto criado ao acaso
que a sós se olha sem espaço para Narciso.

Enquanto isso entre as jóias
passeiam longos vermes.
Não olhes para a cómoda,
que eles de imediato se solapam.

Mas será que sempre foi ou é agora que é assim?
Na janela o vago busto preferiria a segunda.
Nos olhos descobre imovelmente uma coisa,
um baú, um olhar, uma faca perdida.

De relance repara na estrutura evaporando-se,
agora a cabeça acompanha os olhos no afã.
Bastou a dúvida para virar o retrato,
as costas para a janela, o cu para a mesa.

No enredo dos móveis e bibelôs se perde,
por todo o lado procura e tudo desarruma.
Numa gaveta encontra por fim poucos indícios de provas.
Há vida, mas não dá resposta alguma.

Sobre a cómoda
facilmente vivem.
Se ouvirem um passo
facilmente desaparecem.

Repara entre as jóias
onde habitam os vermes.
Esquece a cómoda,
não os perturbes.

PERGUNTA PARA ESENIN

Ainda aqui,
mesmo que qualquer fumo ou qualquer odor
de quando em quando se lembre.
Ouvir.
O que se perdeu
em troca deste tempo todo?
Tão frio que é
este ar apesar de nos acolher,
tão materno que é
e tão alheio.
Tu, pelo contrário, acabaste
o que talvez julgo não ter
sequer começado.
Diz-me se ainda tenho tempo,
tu que cedo deixaste de ter tempo.
Quão absurdo parece ser
resistir aos dias
se por instantes se
iluminam de alguém como tu,
que num momento tantos dias fizeste brilhar.
Aprendeste, ensinando,
que quem queima queima consigo o seu fim?
E se sim
com que proveito o aprendo?
Eu que queimo bem mais lentamente
e mesmo assim previno qualquer cansaço.
Talvez tenhas sido a imagem arrancada da língua
no mar de grão onde nasceste.
Sem o querer.
Em que te sinto próximo de mim
se a angústia não me mata
apesar de presente?
Não me conheces
e esta minha vida obstinante
não promete um encontro.
Há momentos em que a sinto
perto o suficiente para a chamar,
e sinto o cheiro da cinza,
e tudo tem a luz confusa
das coisas que se amam.
Caro amigo a quem nada posso dar,
amigo imolado e fresco porém como uma flor,
com o meu pensamento, que pouco estimo,
atravesso o século que passa
pelo teu campo gélido
e pelo meu seco e espinhoso,
e consigo ouvir entre as plantas sem nome
que talvez
não seja garantido viver,
como tão-pouco
é garantido morrer.


AUTORITRATTO. TARDA SERA

Senti il tonfo sordo e piccolo del gomito,
si pianta nel noncurante muto tavolo
.Solo l'altro è seguito dalla mano malleabile,
questo regge alla testa il nuovo tronco e il nuovo collo.

Guarda la mia eleganza di uomo in piedi degradarsi,
degradarsi intatta sopra il tavolo.
Tra i fogli lasciati chi più chi meno bianco
trascurate si nascondono monete per la spesa.

Vermi tra i gioielli
facilmente abitano.
Se guardo il comodino
veloci scompaiono.

Guarda sullo sfondo del mondo stagliarsi,
su una strada del mondo che oltre il vetro riposa,
guarda infiltrarsi questo volto creato a caso
che da solo si guarda senza spazio per Narciso.

Mentre tra i gioielli
lunghi vermi scorrono.
Non guardare il comodino,
rapidi rintanano.

Ma sempre sarà stato o è da poco come ora?
Nella finestra il vagobusto preferirebbe la seconda.
Negli occhi scopre immobilmente qualcosa,
un baule, uno sguardo, un coltello, perduto.

Guarda d'improvviso la struttura evaporare,
ora la testa segue gli occhi nell'affanno.
Il dubbio è bastato a voltare il ritratto,
le spalle alla finestra, il culo al tavolo.

Nell'intrico di mobili e soprammobili si aggira,
dappertutto cerca e tutto disordina.
In un cassetto trova infine pochi indizi per prova.
La vita c'è, ma non dà risposta alcuna.

Sopra il comodino
facilmente abitano.
Se sentono un passo
veloci scompaiono.

Guarda tra i gioielli
vermi albergare.
Salta il comodino,
non li disturbare.

DOMANDA PER ESENIN

Ancora qui,
anche se qualche fumo e qualche odore
di tanto in tanto ricorda.
Sentire.
Cosa si è perso in cambio di tutto questo tempo?
Quant’è fredda
quest’ aria anche se accoglie,
quanto è materna
e quanto estranea.
Tu, invece, finisti,
tu che a trent’ anni finisti
quello che io credo di non avere
ancora forse cominciato.
Dimmi se ho ancora un po’ di tempo,
tu che presto smettesti di avere tempo.
Quanto assurdo appare
il resistere nei giorni
se per un attimo questi
sono illuminati da uno come te,
che in un attimo tanti giorni facesti brillare.
Imparasti, insegnando,
che chi brucia brucia con sé la sua fine?
E se sì
a quale pro io lo imparo?
Io che brucio assai più lentamente
eppure avverto tutta la stanchezza.
Forse fosti l’immagine strappata dalla lingua
nel mare di grano in cui eri nato.
Senza volerlo. In cosa ti sento vicino
se l’angoscia non mi uccide
anche se è presente?
Non mi conosci
e questa mia vita che si ostina
un incontro non promette.
Ci sono momenti in cui la sento
vicina abbastanza da chiamarla,
e sento l’odore della cenere,
e tutto ha la luce confusa
delle cose che si amano.
Amico caro a cui non posso dare niente,
amico arso eppure fresco come un fiore,
col mio pensiero, che poco stimo,
attraverso il secolo che passa
tra la tua campagna gelida
e la mia secca e spinosa,
e posso udire tra piante senza nome
che forse non è così scontato il vivere,
così come
non è scontato il morire

Pier Paolo Pasolini, "Sem ti regressava, qual bêbedo"

Fotos por Richard Avedon, 1966

Fotos por Richard Avedon, 1966

Tradução: João Coles

Sem ti regressava, qual bêbedo,
incapaz de estar só à noite
quando as cansadas nuvens se dissipam
na escuridão incerta.
Estive milhares de vezes só
desde que estou vivo, e em milhares de noites iguais
foram-me escurecidos aos olhos a relva, os montes ,
os campos, as nuvens.
A sós de dia, e depois adentro o silêncio
da noite fatal. E ora, bêbedo,
regresso sem ti, e ao meu lado
só há sombra.
E de mim longe estarás milhares de vezes,
e depois para sempre. Não sei travar
esta angústia que galopa dentro do peito;
estar só.

(1945 – 1946)

In Tutte le poesie (Mondadori)


Senza di te tornavo, come ebbro,
non più capace d’esser solo, a sera
quando le stanche nuvole dileguano
nel buio incerto.
Mille volte son stato così solo
dacché son vivo, e mille uguali sere
m’hanno oscurato agli occhi l’erba, i monti
le campagne, le nuvole.
Solo nel giorno, e poi dentro il silenzio
della fatale sera. Ed ora, ebbro,
torno senza di te, e al mio fianco
c’è solo l’ombra.
E mi sarai lontano mille volte,
e poi, per sempre. Io non so frenare
quest’angoscia che monta dentro al seno;
essere solo.

(1945 – 1946)

In Tutte le poesie (Mondadori)

Pier Paolo Pasolini, “Estamos fartos de nos tornarmos jovens sérios”

181251716-b3a01501-03f0-449d-a33c-edf015579d02.jpg

Tradução: João Coles

Senhor professor, vimos o Diabo do Anjo
negro como Luciano o Sarraceno: "Gritem Viva
Benjamin Spock
" diz-nos. Ocorre uma varinha.
Chega de Ágape, queremos Ananke.

Estamos fartos de nos tornamos jovens sérios,
ou felizes à força, ou criminosos, ou neuróticos:
queremos rir, ser inocentes, esperar
alguma coisa da vida, perguntar, ignorar.

Não queremos ter certezas tão depressa.
Não queremos ficar sem sonhos tão depressa.
Greve, greve, camaradas! Pelos nossos deveres!

Senhor professor, pare de nos tratar como otários
que não podem nunca ser ofendidos, magoados,
tocados. Não nos adule; somos homens, senhor professor!

(Pier Paolo Pasolini, in Lettere Luterane)


Siamo stanchi di diventare giovani seri

Signor Maestro, abbiamo visto il Diavolo dell’Angelo
nero come Luciano ‘o Sarracino: «Gridate Viva
Benjamin Spock», ci fa. Occorre la bacchetta.
Basta con l’Agàpe, vogliamo l’Anànke.

Siamo stanchi di diventare giovani seri,
o contenti per forza, o criminali, o nevrotici:
vogliamo ridere, essere innocenti, aspettare
qualcosa dalla vita, chiedere, ignorare.

Non vogliamo essere subito già così sicuri.
Non vogliamo essere subito già così senza sogni.
Sciopero, sciopero, compagni! Per i nostri doveri.

Signor Maestro, la smetta di trattarci come scemi
che bisogna sempre non offendere, non ferire,
non toccare. Non ci aduli, siamo uomini, Signor Maestro!

(Pier Paolo Pasolini, in Lettere luterane)

João Gabriel Madeira Pontes, Entropias de eixo e beira – um poema em quartetos

Entropias de eixo e beira – um poema em quartetos
poesia

Enfetmaria 6, abril de 2017, 18 páginas

[Ver e descarregar o livro]


«Todos anjos que vigiam
As manhãs e os sons da lauda, 
Todos monstros que bugiam
Quando houver quem os aplauda. 

São estes versos sem eira –
Um cavalo, uma Babel –
Entropias de eixo e beira,
Pois que, a partir do escarcéu,

Chispam as vinhas da ordem,
Da ordem mais verdadeira,
E das leis que, sim, dependem
De entropias de eixo e beira.

No coração do anarquista,
 Jaz correção de neurônio,
Bem como, dentro do artista,
Dão-se paz e pandemônio.»