[O coração], de Antonio Delfini
/Tradução: João Coles
O coração
o pensamento
estarão
um dia
tão
distantes
o coração será o cão
o pensamento será o gato
ão ato ão
ato ão ato
In, Poesie della fine del mondo, del prima e del dopo, Einaudi, 2013.
«Por intermédio das palavras que flutuam à nossa volta, alcançamos o pensamento»
Friedrich Nietzsche
Tradução: João Coles
O coração
o pensamento
estarão
um dia
tão
distantes
o coração será o cão
o pensamento será o gato
ão ato ão
ato ão ato
In, Poesie della fine del mondo, del prima e del dopo, Einaudi, 2013.
Tradução de João Coles
Cientificamente me pergunto
como foi criado o meu cérebro,
que faço eu com este engano.
Finjo ter alma e pensamentos
para melhor circular entre os outros,
por vezes parece-me mesmo amar
rostos e palavras de pessoas, raras;
sendo tocada gostaria de poder tocar,
mas descubro sempre que todas as minhas emoções
dependem de um temporal que se avizinha.
Io scientificamente mi domando
come è stato creato il mio cervello,
cosa ci faccio io con questo sbaglio.
Fingo di avere anima e pensieri
per circolare melgio in mezzo agli altri,
qualche volta mi sembra anche di amare
facce e parole di persone, rare;
esser toccata vorrei poter toccare,
ma scopro sempre che ogni mia emozione
dipende da un vicino temporale.
Tradução: João Coles
No sangue reside um som profundo
Assim soube quando as tuas mãos
tocaram as minhas pela primeira vez
Desde esse dia ouvimos
como que um vento levantando-se
com o mugido de um órgão
até que por fim domados
nos vergou, como maduras espigas, aquele vento
Eu estou em ti
como o amado cheiro do corpo
como o humor do olho
e a doce saliva
Eu estou dentro de ti
da misteriosa maneira
que a vida está dissolvida no sangue
e misturada na respiração
Ninguém pode derrubar-nos da alegria
a nossa alegria subterrânea
como água branda
como veio de rocha
Nem povo árabe, nem povo balcânico, nem povo antigo,
mas nação viva, nação europeia:
que és tu? Terra de recém-nascidos, esfomeados, corruptos,
governantes empregados de latifundiários, prefeitos reaccionários,
advogadinhos besuntados com brilhantina e com pés sujos,
funcionários liberais, canalhas como os tios beatos,
uma caserna, um seminário, uma praia livre, uma confusão!
Milhões de pequeno-burgueses como milhões de porcos
pastam empurrando-se junto aos pequenos prédios ilesos,
entre casas coloniais degradadas já como igrejas
Precisamente por teres existido, já não existes,
precisamente por teres sido consciente, és inconsciente.
E só por seres católica, não podes pensar
que o teu mal é todo o mal: culpa de todos os males.
Afunda-te neste teu belo mar, liberta o mundo.
tradução: João Coles
“Alla mia nazione”, in La religione del mio tempo, Garzanti, Milano
ALLA MIA NAZIONE
Non popolo arabo, non popolo balcanico, non popolo antico,
ma nazione vivente, ma nazione europea:
e cosa sei? Terra di infanti, affamati, corrotti,
governanti impiegati di agrari, prefetti codini,
avvocatucci unti di brillantina e i piedi sporchi,
funzionari liberali carogne come gli zii bigotti,
una caserma, un seminario, una spiaggia libera, un casino!
Milioni di piccoli borghesi come milioni di porci
pascolano sospingendosi sotto gli illesi palazzotti,
tra case coloniali scrostate ormai come chiese.
Proprio perché tu sei esistita, ora non esisti,
proprio perché fosti cosciente, sei incosciente.
E solo perché sei cattolica, non puoi pensare
che il tuo male è tutto il male: colpa di ogni male.
Sprofonda in questo tuo bel mare, libera il mondo.
“Alla mia nazione”, in La religione del mio tempo, Garzanti, Milano
Tradução: João Coles
Não te conheço
nem vou querer saber quem és
somente um candeeiro
nos dirá
do nosso encontro
um candeeiro que se apagará
um candeeiro que não dará mais luz
um candeeiro que um dia
não nos dirá
mais nada
esquecido
o nosso encontro.
Caluda caluda
que vem aí o poeta
deixemo-lo passar
falem baixo meninas
abram as janelas
com suavidade
Numa cidade
de trinta mil habitantes
em mil novecentos e trinta e dois
ainda há gente
que espera que o poeta
passe
com o seu passo mortiço
Esperam que ele passe
não por respeito
mas porque é tão curioso
ver um poeta
com um casaquinho
apertadinho apertadinho
Mesmo as raparigas
mais modernas
esquecem por um minuto
o alfa romeo...
para ver o poeta
e rir
rir tanto
daquele seu casaquinho
coitadinho
tão pequenino.
In Poesie della fine del mondo, Einaudi
Non ti conosco
non vorrò sapere chi sei
soltanto un lume
ci dirà
il nostro incontro
un lume che si spegnerà
un lume che non farà più luce
un lume che un giorno
non ci dirà
più niente
dimenticato
il nostro incontro.
Zitti zitti
che c’è il poeta
lasciamolo passare
fate piano ragazze
aprite le finestre
con dolcezza
In una città
di trentamila abitanti
nel millenovecentotrentadue
c’è ancora della gente
che aspetta il poeta
passare
col suo passo smorzato
Lo aspettano passare
non per rispetto
ma perché tanto curioso
vedere un poeta
col giacchetto
stretto stretto
Anche le ragazze
più avanzate
scordano per un minuto
l’alfa romeo…
per vedere il poeta
e ridere
ridere tanto
su quel suo giacchettino
poverino
tanto piccolino.
In Poesie della fine del mondo, Einaudi
Livros, filmes, ideias.