Charles Bukowski, "o banho"

Tradução: João Coles


gostamos de tomar banho depois
(eu gosto da água mais quente do que ela)
e o rosto dela sempre suave e cheio de paz
e ela lava-me primeiro
ensaboa-me os tomates
levanta-os
aperta-os,
depois lava-me a gaita:
“eh lá, isto ainda está duro!”
depois lava-me os pêlos lá em baixo, –
a barriga, as costas, o pescoço, as pernas,
eu sorrio sorrio sorrio,
e depois lavo-lhe a ela...
primeiro a rata,
ponho-me atrás dela, a minha gaita entre as nádegas dela
ensaboo-lhe suavemente os pentelhos,
lavo-lhos num movimento delicado,
talvez me demore mais do que o necessário,
depois atrás das pernas, o rabo,
as costas, o pescoço, viro-a, beijo-a,
ensaboo-lhe os seios, depois a barriga, o pescoço,
as coxas, os tornozelos, os pés,
e depois a rata, mais uma vez, para dar sorte...
mais um beijo, e ela sai primeiro,
seca-se à toalha, às vezes canta enquanto ali me demoro
ponho a água mais quente
desfrutando dos bons momentos do milagre do amor
e só depois saio...
é normalmente de tarde e faz silêncio,
e enquanto nos vestimos falamos sobre o que mais
poderíamos fazer,
mas estar juntos resolve quase tudo,
na verdade, resolve tudo
pois enquanto estas coisas estiverem resolvidas
na história entre mulheres e
homens, é diferente para cada um –
para mim, é esplêndido o suficiente para relembrar
após as memórias de dor e de derrota e de infelicidade:
quando me levares isto
fá-lo lenta e docemente
fá-lo como se estivesse a morrer no sono em vez de
na minha vida, ámen.


the shower

we like to shower afterwards
(I like the water hotter than she)
and her face is always soft and peaceful
and she'll watch me first
spread the soap over my balls
lift the balls
squeeze them,
then wash the cock:
"hey, this thing is still hard!"
then get all the hair down there,-
the belly, the back, the neck, the legs,
I grin grin grin,
and then I wash her. . .
first the cunt, I
stand behind her, my cock in the cheeks of her ass
I gently soap up the cunt hairs,
wash there with a soothing motion,
I linger perhaps longer than necessary,
then I get the backs of the legs, the ass,
the back, the neck, I turn her, kiss her,
soap up the breasts, get them and the belly, the neck,
the fronts of the legs, the ankles, the feet,
and then the cunt, once more, for luck. . .
another kiss, and she gets out first,
toweling, sometimes singing while I stay in
turn the water on hotter
feeling the good times of love's miracle
I then get out. . .
it is usually mid-afternoon and quiet,
and getting dressed we talk about what else
there might be to do,
but being together solves most of it,
in fact, solves all of it
for as long as those things stay solved
in the history of women and
man, it's different for each -
for me, it's splendid enough to remember
past the memories of pain and defeat and unhappiness:
when you take it away
do it slowly and easily
make it as if I were dying in my sleep instead of in
my life, amen.

Dois poemas de Goliarda Sapienza


goliarda-sapienza-l-auteur-rebelle-et-hors-norme-dans-les-annees-1970_4058635.jpg

Tradução: João Coles



Chuva de ódio do céu

Chuva de ódio cai
do céu sobre os prados e seca
a relva as mãos queima o cabelo e cega
o homem que com atenção contemplava ao alto este
bater de asas.

Graniza ódio sobre os telhados
derruba paredes
ceifa os tendões do cavalo em fuga
que se estatela fumegante na calçada.



Está previsto

Está previsto.
A tua vida
à beira-mar
a minha morte
no fundo do poço.
Está previsto,
a mesa posta
com copos e com facas.
Está previsto
há muito tempo
o teu regresso ao meu
poço de águas pluviais.

in Ancestrale


Pioggia d’odio dal cielo

Pioggia d’odio dal cielo
cade sui prati e secca
l’erba le mani arde i capelli acceca
l’uomo che attento alto fissava quel
volo d’ali.

Grandina odio sui tetti
scardina i muri
sega i tendini in corsa del cavallo
che stramazza fumante sul selciato.


È predisposto.

È predisposto.
La tua vita
in riva al mare
la mia morte
in fondo al pozzo.
È predisposto,
la tavola apparecchiata
con vetri e con coltelli.
È predisposto
da tempo
il tuo tornare al mio
pozzo d’acqua piovana.

in Ancestrale

"a sós com toda a gente", Charles Bukowski

 
buk and bible.jpg
 

Tradução: João Coles



a carne reveste os ossos
e põem-nos uma mente
lá dentro e
por vezes uma alma,
e as mulheres quebram
vasos contra as paredes
e os homens bebem
em demasia
e ninguém encontra a pessoa
certa
mas continuam
à procura
a rastejar para dentro e para fora
das camas.
a carne reveste
os ossos e a
carne procura
mais do que
carne.

não há nenhuma
saída:
todos estamos encurralados
por um só
destino.

nunca ninguém encontra
a pessoa certa.

as lixeiras enchem
os ferros-velhos enchem
os manicómios enchem
os hospitais enchem
os cemitérios enchem

nada mais
enche.


in Love is a Dog from Hell, Ecco, 2003


alone with everybody

the flesh covers the bone
and they put a mind
in there and
sometimes a soul,
and the women break
vases against the walls
and the men drink too
much
and nobody finds the
one
but keep
looking
crawling in and out
of beds.
flesh covers
the bone and the
flesh searches
for more than
flesh.

there's no chance
at all:
we are all trapped
by a singular
fate.

nobody ever finds
the one.

the city dumps fill
the junkyards fill
the madhouses fill
the hospitals fill
the graveyards fill

nothing else
fills.

in Love is a Dog from Hell, Ecco, 2003

"Fim da tempestade", Pier Paolo Pasolini

 
pppasolini.jpg

Tradução: João Coles

Tomba a árvore ao vento,
as casas voltaram
aos seus lugares, após longa
viagem, e sonham de olhos abertos.
Mesta a alma se encaminha
para os sonhos; vago fica
o quarto: estou longe.

In I confini (1941-1942). Agora in Tutte le Poesie II, Meridiani Mondadori, 2003


FINE DI TEMPESTA

Crolla l'albero al vento,
son ritornate ai loro
luoghi le case, dopo lungo
viaggio, e trasognano.
Mesta s'avvia l'anima
ai sogni; sgombra resta
la stanza: sono lontano.


In I confini (1941-1942). Ora in Tutte le Poesie II, Meridiani Mondadori, 2003


"Vertigem", de Ada Negri


 
 


Tradução: João Coles



— Cala-te, cala-te

(mulher, assim nos seus braços
deliraste uma noite)

— cala-te, cala-te,
não profanes
com palavras envelhecidas pelos séculos
a novidade selvagem
deste momento.
Novos somos
e livres de qualquer proibição
e jovens como virgultas
no Março agreste.
Deixemos atrás daquela parede
os anos vividos, as lutas
vencidas, as ruas calcadas
a sangue, e os rostos fiéis,
e os sonhos e as obras,
e aquilo que parecia a nossa
razão e o nosso porquê
de sermos vivos.

E agora aqui não existem
senão a tua força solar
e a minha fluída graça,
senão o inflamar do teu sangue
e a tua boca que não se sacia;
e o meu rosto desfalecido
não é o que outros já viram,
mas que em ti se fixa, que em ti conflui,
na sua linha trágica,
na sua pulsante lividez,
é o rosto imortal do amor.

**

— Cala-te, cala-te

(mulher, assim nos seus braços
deliraste uma noite)

— nenhuma palavra
consegue proferir o milagre,
nenhuma música
consegue exprimir o êxtase,
só o fragor das tuas artérias,
só o arrepio dos meus pulsos.
Viva ontem não estava,
morta estarei amanhã,
destruída pelas tuas
mãos. Aperta-me, como se, presos um ao outro
à beira de um cume
por nós apenas conhecido,
tivéssemos de nos precipitar no vazio.


In, Il libro di Mara, Fratelli Treves Editori, 1919


Vertigine

— Taci, taci,

(femmina, nelle sue braccia
delirasti una notte così)

— taci, taci,
non profanare
con parole vecchie di secoli
la novità selvaggia
di questo momento.
Nuovi noi siamo
e liberi d’ogni divieto
e giovani come virgulti
neII'aspro marzo.
Lasciammo dietro quel muro
gli anni vissuti, le lotte
vinte, le strade calcate
a sangue, ed i visi fedeli,
e i sogni e le opere,
e quel che ci parve Ia nostra
ragione ed il nostro perchè
d’esser viventi.

Ed ora qui non esistono
che Ia tua forza solare
e Ia mia fluida grazia,
che l’avvampar dei tuo sangue
e Ia tua bocca che non si sazia;
ed il mio volto riverso
non è quello che altri già vide,
ma in te fiso, in te converso,
nella sua tragica linea,
nel suo pulsante pallore,
è l’immortale volto dell’amore.

**

— Taci, taci,

(femmina, nelle sue braccia
delirasti una notte così)

— nessuna parola
può dire il miracolo,
nessuna musica
può esprimere l’estasi,
solo il rombo delle tue arterie,
solo il brivido de’ miei polsi.
Viva non ero ieri,
morta sarò domani.
distrutta dalle mani
tue. Stringimi, come se, avvinti
sull’orlo d’un culmine
a noi sol noto,
precipitar dovessimo nel vuoto.

In, Il libro di Mara, Fratelli Treves Editori, 1919