Fukao Sumako, “A Casa Iluminada”

Hiroshige, Evening view of a temple in the hills

Hiroshige, Evening view of a temple in the hills

Tradução: Bruno M. Silva

É uma casa iluminada;
nenhum quarto é sombrio.

É uma casa que se ergue alta
sobre os penhascos, aberta
como uma torre de vigia.

Quando a noite chega
eu ponho uma luz dentro,
uma luz maior do que o sol e a lua.

Pensa
em como o meu coração se sobressalta
quando os meus dedos trémulos
acendem um fósforo na noite.

Eu levanto os seios
e inspiro e expiro o som do amor
como a filha apaixonada de um faroleiro.

É uma casa iluminada.
Criarei nela
um mundo que nenhum homem conseguirá construir.

*

Bright House

It is a bright house;
not a single room is dim.

It is a house which rises high
on the cliffs, open
as a lookout tower.

When the night comes
I put a light in it,
a light larger than the sun and the moon.

Think
how my heart leaps
when my trembling fingers
strike a match in the evening.

I lift my breasts
and inhale and exhale the sound of love
like the passionate daughter of a lighthouse keeper.

It is a bright house.
I will create in it
a world no man can ever build.

(Women Poets of Japan, tradução Kenneth Rexroth e Ikuko Atsumi, New Directions Books)

CONDECONDERAÇÕES POST MORTEM

Quando eu morrer voltarei para ir buscar

as jóias e toda a tralha com a marca Sophia:

o saquinho de pano, o marcador de livro,

o cartaz, o panfleto, o livro de bolso, o

livro de tijolo, o colar, o chapéu de palha

e o lenço bordado com musa musa musa.

 

Esta é a madrugada que eu esperava,

o pó e a azia estão, finalmente, na rua e a

multidão, sonâmbula, passa e só pia, só pia.

 

Quero-me longe dessa quimera, pois

tudo é, agora, impuro, profano e sujo.


Giovanni_bellini,_san_francesco_02.jpg

Giovanni Bellini - “O êxtase de S. Francisco”, c. 1480 (pormenor)



MIlIMÉTRICO(s) - "Ulrich Leyendecker, 6/17"

Scan0002.jpg
Scan0003.jpg
Scan0004.jpg
Scan0005.jpg

Nota: O que são milimétricos? Milimétricos são desenhos inspirados na escrita musical. São audições de composições de música clássica contemporânea transcritas para papel milimétrico. Essas “transcrições” não são mais do que “recriações livres” da audição. Desenhar, pintar, escrever sobre música sempre foi uma ambição e uma impossibilidade dos homens. A música é por natureza a mais abstrata das artes, e é nesse sentido que são escritos/desenhados os milimétricos. Todos os milimétricos inspiram-se nas partituras musicais de compositores contemporâneos, como por exemplo: Schoenberg, Stravinsky, Boulez, Penderecki, Ligeti, Grisey, Hugues Duford e outros. Nada disto seria possível sem as lições apreendidas de Kandinsky, Klee, Malevitch, Rothko, Cy Twombly e tantos outros. Pode-se resumir um milimétrico com um excerto de um verso de Luís Quintais: “Tempo em quadrícula”. São desenhos abstratos que se aproximam da ideia de escrita e da escrita musical. São construções livres e sem qualquer pretensão de serem estudos rigorosos de música contemporânea. Interessa ao autor esse “não saber”, a sua “impossibilidade de ler ou escrever música”, uma impossibilidade que não o impede de amar a música. Com os milimétricos o autor segue a máxima de Albert Einstein: “a imaginação é mais importante que o conhecimento”.

Pier Paolo Pasolini, “Estamos fartos de nos tornarmos jovens sérios”

181251716-b3a01501-03f0-449d-a33c-edf015579d02.jpg

Tradução: João Coles

Senhor professor, vimos o Diabo do Anjo
negro como Luciano o Sarraceno: "Gritem Viva
Benjamin Spock
" diz-nos. Ocorre uma varinha.
Chega de Ágape, queremos Ananke.

Estamos fartos de nos tornamos jovens sérios,
ou felizes à força, ou criminosos, ou neuróticos:
queremos rir, ser inocentes, esperar
alguma coisa da vida, perguntar, ignorar.

Não queremos ter certezas tão depressa.
Não queremos ficar sem sonhos tão depressa.
Greve, greve, camaradas! Pelos nossos deveres!

Senhor professor, pare de nos tratar como otários
que não podem nunca ser ofendidos, magoados,
tocados. Não nos adule; somos homens, senhor professor!

(Pier Paolo Pasolini, in Lettere Luterane)


Siamo stanchi di diventare giovani seri

Signor Maestro, abbiamo visto il Diavolo dell’Angelo
nero come Luciano ‘o Sarracino: «Gridate Viva
Benjamin Spock», ci fa. Occorre la bacchetta.
Basta con l’Agàpe, vogliamo l’Anànke.

Siamo stanchi di diventare giovani seri,
o contenti per forza, o criminali, o nevrotici:
vogliamo ridere, essere innocenti, aspettare
qualcosa dalla vita, chiedere, ignorare.

Non vogliamo essere subito già così sicuri.
Non vogliamo essere subito già così senza sogni.
Sciopero, sciopero, compagni! Per i nostri doveri.

Signor Maestro, la smetta di trattarci come scemi
che bisogna sempre non offendere, non ferire,
non toccare. Non ci aduli, siamo uomini, Signor Maestro!

(Pier Paolo Pasolini, in Lettere luterane)